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Emprego das Forças Armadas em 24 de maio de 2017: apreciação do decreto de autorização

ANO 2017 NUM 362
Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira (SP)
Procurador do Estado de São Paulo. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Professor do Programa de Mestrado em Direito da UNAERP e professor convidado de cursos de pós-graduação (PUC-COGEAE, Faculdade Baiana de Direito e USP-FDRP). Membro do Conselho Curador da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Árbitro.


24/05/2017 | 4565 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

Atendendo ao convite formulado pelo amigo Paulo Modesto, brilhante e festejado Professor de todos nós, aceitei a missão de escrever algumas linhas sobre o Decreto do Chefe do Poder Executivo editado hoje, dia 24 de maio de 2017, já que tive oportunidade de apreciar a atuação das Forças Armadas em tópico da minha tese de doutorado, que foi publicada com o título: Sistema Constitucional das Crises: restrições a direitos fundamentais (São Paulo: Método, 2009).

Antes de adentrar diretamente na apreciação do decreto, necessário lembrar que as Forças Armadas são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, e se caracterizam como instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República (art. 84, XIII da CF), e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Mas vale observar também que o Estado Democrático de Direito, fundamentado no império da Constituição e das Leis, impõe que o limite da hierarquia e disciplina é a Constituição e as Leis. Portanto, o emprego das Forças Armadas não pode ser utilizado com desvio ou abuso, sob pena de responsabilidade.

Merece ser ressaltada a adoção da subsidiariedade como requisito para atuação das Forças Armadas (art. 15, parágrafo 2.º, da Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999), ou seja, somente após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.  É o que se extrai também da Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999, Art. 15: § 2.º:  A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal. § 3.º Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional” (grifo nosso).

Há na doutrina entendimento no sentido de que altos índices de criminalidade das cidades grandes podem indicar a necessidade de suplementação dos serviços de segurança pública por parte das Forças Armadas. Confira-se, por exemplo, Valter Foleto Santin, Controle judicial da segurança pública: eficiência do serviço na prevenção e pressão ao crime, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 184.

Portanto, a utilização das Forças Armadas somente deverá ocorrer quando a atuação dos órgãos de segurança pública (incisos I a V do art. 144 e do § 10 da Constituição Federal) não se demonstrar eficaz para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

As fotos publicadas na imprensa na data de hoje (24/05/2017, data da edição do decreto)  demonstram atos reprováveis de vandalismo, danos ao patrimônio público, incêndios dolosos, dentre outras lamentáveis ocorrências (Vide site:https://goo.gl/AZkSbw) . Também comprovam as referidas imagens que os órgãos de segurança pública não foram eficazes para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Dessa maneira, presente o requisito exigido pelo art. 15, parágrafo 2.º, da Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999.

Ocorre que o artigo 15, parágrafo 4º da Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999 prevê que a área deverá ser previamente estabelecida e, ao nosso ver, pelo Presidente da República. Contudo, o decreto do Presidente delega ao Ministério da Defesa, a previsão da área para o emprego das Forças Armadas, o que ao nosso ver é ilegal, já que ausente a autorização explícita para a delegação em norma constitucional e legal, pois a delegação é excepcional no Direito Constitucional pátrio, conforme se extrai do art. 84, parágrafo único da Constituição Federal.

Quanto ao prazo determinado no decreto para o emprego das Forças Armadas, de 24 de maio de 2017 a 31 de maio de 2017, temos que é excessivo, já que uma semana é prazo longo considerando que os manifestantes vieram em caravana de 500 (quinhentos) ônibus (Cf. site https://goo.gl/qTstFf , acesso em 24/05/2017). Ademais, os fatos que ensejaram a adoção da medida não devem se manter por mais de dois dias e, caso necessário, prorrogados.

Enfim, temos que o uso das Forças Armadas para suplementação dos serviços de segurança pública no Distrito Federal é compatível com as exigências constitucionais e legais, salvo quanto à ausência de delimitação da área e o prazo adotado.

Não há falar-se na existência dos requisitos para a decretação do Estado de Defesa, de improvável decretação pelo Chefe do Executivo, já que acarretaria no bloqueio da tramitação das propostas de emenda à constituição, nos termos do art. 60, parágrafo 1º da Constituição Federal.



Por Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira (SP)

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