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Julgamento da chapa Dilma-Temer: uma sessão eletrizante em julgamento histórico

ANO 2017 NUM 363
Adriano Soares da Costa (AL)
Advogado. Presidente da Instituição Brasileira de Direito Público - IBDPub. Palestrante, conferencista, parecerista.


09/06/2017 | 3272 pessoas já leram esta coluna. | 3 usuário(s) ON-line nesta página

O julgamento da chapa Dilma-Temer, iniciado no Tribunal Superior Eleitoral, é histórico. Pela primeira vez há julgamento, em eleições presidenciais, de ações eleitorais contra abuso de poder econômico, abuso de poder político, captação ilícita de recursos (caixa dois), dentre outros ilícitos deduzidos. Pela primeira vez fez-se instrução processual, foram coletadas provas documentais e testemunhais, sendo introduzido nos autos um elevado volume de provas trazidas pelos escândalos quase diários decorrentes da Operação Lava-Jato e seus filhotes.

As ações eleitorais propostas pelo PSDB acusam a chapa presidencial Dilma-Temer da prática de abuso de poder político (desvio de finalidade na convocação de rede nacional de emissoras de radiodifusão; manipulação na divulgação de indicadores socioeconômicos; uso indevido de prédios e equipamentos públicos para a realização de atos próprios de campanha; e publicidade institucional em período vedado), abuso de poder econômico (realização de gastos de campanha em valor que extrapola o limite; financiamento de campanha mediante doações oficiais de empreiteiras contratadas pela Petrobrás como parte da distribuição de propinas; massiva propaganda eleitoral levada a efeito por meio de recursos geridos por entidades sindicais; e transporte de eleitores por meio de organização supostamente não governamental que recebe dinheiro público para participar de comício em Petrolina/PE; e despesas irregulares – falta de comprovantes idôneos para despesas de campanha), uso indevido dos meios de comunicação social (veiculação de inverdades no horário eleitoral gratuito); fraude (divulgação de informações falsas sobre a extinção de programas sociais); e arrecadação por meio de caixa dois (doações provenientes de fornecedoras da Petrobrás; pagamentos a gráficas com desvio para laranjas).

Durante a instrução, ocorreram as bombásticas delações premiadas dos executivos da construtora Odebrecht, que foram trazidas aos autos, inclusive tendo sido ouvidos pelo relator, com autorização do plenário do Tribunal Superior Eleitoral, o empresário Marcelo Odebrecht, o marqueteiro João Santana e a sua esposa e empresária Mônica Moura. Esses depoimentos e os documentos trazidos aos autos foram objeto de intenso debate no início do julgamento. As defesas de Dilma Rousseff e de Michel Temer passaram a atacar o que chamaram de ampliação indevida dos contornos da causa de pedir, uma vez que os temas relativos à Construtora Odebrecht não estavam referidos na petição inicial das ações eleitorais propostas. Para a defesa, este novo núcleo de elementos probatórios estaria inovando a lide, em prazo posterior ao decadencial, contrariando a legislação eleitoral.

A sessão do dia de hoje (08.06.2017) começou tensa, com embates verbais e argumentativo entre os ministros, justamente a respeito das matérias relativas à Odebrecht. Pareceria estar se discutindo, naquela oportunidade, a completa desidratação do conteúdo mais bombástico das ações eleitorais, dificultando a estratégia da defesa. Após debates intensos, o voto do ministro Tarcísio Vieira sobre os limites objetivos da causa de pedir da ação eleitoral foi tecnicamente correto, rejeitando as inovações que teriam ocorrido na causa de pedir. Porém, foram feitas ponderações pelo relator, Herman Benjamin, sobre a decisão anterior da Corte, quando do recebimento das ações eleitorais - após a interposição de agravo regimental contra a decisão da ministra Maria Thereza, que a indeferiu de plano -, lembrando que, naquela oportunidade, a Corte aceitou o uso de delações premiadas que não constavam na inicial (Paulo Roberto Costa e Barusco), abrindo-se assim a fase de instrução. É preciso dizer que, lamentavelmente, o TSE abriu, naquela oportunidade, o uso das tais delações, que, na verdade, desbordavam da causa de pedir originariamente posta, como lembrou o relator ao indagar: "De onde saiu Pedro Barusco? Pedro Barusco não estava na petição inicial. Aliás, Ricardo Pessoa também não estava na petição inicial." Deste modo, o TSE ficará com o ônus, durante o julgamento, de explicar o porquê de se ter admitido, quando daquele início do processo, o uso de provas novas, relativas a fatos não tratados na petição inicial, bem como o avanço instrutório do relator, com base naquela mesma decisão do regimental, e, agora, nesta oportunidade, eventualmente decidir se os atos processuais foram ou não inúteis. Sim, porque o relator ouviu diversas testemunhas, inclusive autorizado pelo plenário; tais provas seriam inúteis, como inúteis seriam os atos processuais instrutórios? Eis uma das dificuldades a serem enfrentadas pelos que desejam excluir as provas da chamada "fase Odebrecht".

O fato é que o ministro Herman Benjamin está esgrimindo, como método de trabalho seu como relator, a adoção dos critérios que teriam sido definidos pelo voto do ministro Gilmar Mendes que conduziu o acolhimento da formação da relação processual. Neste aspecto, didaticamente está sendo bastante claro em dizer: a instrução que conduziu estaria seguindo os critérios e os limites já decididos pela Corte quando do recebimento das ações propostas.

Mesmo assim, o ministro Gilmar Mendes continuou, àquela altura, sustentando que "Se pudermos inovar na 'causa petendi' estaremos fraudando o prazo decadencial". Está corretíssimo: se se puder a todo o tempo, na instrução processual, inovar a causa de pedir, o objeto litigioso da ação, na prática não haveria prazo fatal para a ação eleitoral, que bastaria ser proposta genericamente, porque nela tudo poderia caber…

Todavia, o ministro Herman Benjamin passou a relatar o processo limitando-se justamente à causa de pedir definida na petição inicial da ação quanto ao abuso de poder econômico e captação ilícita de recursos (caixa dois), centrando-se na Petrobras. Criou uma via diversa para trazer novamente à cognição judicial os recursos usados ilicitamente em campanha, resgatando os depoimentos colhidos por ele, inclusive dos delatores. Benjamin, neste ponto, deu um drible da vaca argumentativo, reintroduzindo as matérias por uma outra porta da causa de pedir. De fato, fez uma reproposição do que afastado na sessão ocorrida pela manhã, usando agora a própria petição inicial. Indiscutivelmente, o seu voto abriu - ao menos a esta altura - uma rachadura nas argumentações até então postas pelos votos contrários. O seu - ainda não concluído - está sendo detalhado, minucioso e devastador, ficando muito difícil para os demais membros da Corte explicar como se autorizou a instrução probatória tão vasta, tão larga, para depois descartar as provas produzidas. Afora isso, as questões suscitadas sobre os limites objetivos das ações eleitorais, a sua causa de pedir, mesmo sendo extremamente pertinentes, passaram a ser superadas quando Benjamin apontou para que a lavanderia eleitoral começaria nas doações com recursos provenientes de atos ilícitos favorecendo aos partidos políticos. Os recursos que entram para os partidos políticos, diz o relator, se comunicam e contaminam os recursos eleitorais.

Aqui há uma outra questão relevante suscitada pelo relator. O dinheiro sujo que entrou no caixa dos partidos políticos, recursos provenientes de corrupção, "são derramados também nas disputas eleitorais", mormente naquelas que exigem maior inversão de recursos (as aspas são na fala de Gilmar Mendes citada por Benjamin). Seria o fenômeno da PROPINA POUPANÇA, guardada, em trato sucessivo, para as eleições seguintes, em uma espécie de conta corrente. Aqui, convenhamos, o relator puxou a matéria do caixa dois para dentro da causa de pedir já desenhada na ação, ainda que sem a decomposição ponto por ponto, fato por fato, que, aliás, não ocorre em processo eleitoral, inclusive por causa do art.23 da LC 64/90, que é constitucional e deve ser aplicado, embora com temperamentos. Retirou do núcleo do seu voto a "fase Odebrecht", reaproveitando tudo o que fora objeto da instrução pela via das ilicitudes ocorridas na Petrobras, como ocorreu com os depoimentos de João Santana e Mônica Moura, citados não por causa da Odebrecht, mas de uma outra empresa, ligada a Petrobras: estaleiro Keppel FELS.

De outro lado, Herman Benjamin passou a demonstrar o fenômeno que denominou de "propina-poupança" ou "propina-gordura". Tratar-se-ia de uma reserva de valores ilícitos para ser usado pelos candidatos numa disputa futura. Disse ele: "A correlação temporal entre propina e período eleitoral de 2014 não deve ser visualizada sob o enfoque estrito dos momentos de ingresso e saída do caixa do partido, mas sim sob a ótica de que a gordura acumulada ao longo dos anos foi fator que afetou o equilíbrio de forças e, por conseguinte, a paridade de armas na disputa eleitoral". E continuou: "O raciocínio é singelo: se os partidos X e Y receberam o mesmo valor de R$ 100 para disputar a eleição, quem terá vantagem na campanha, aquele que já tinha longa poupança acumulada ilícita ou o que recebeu apenas aqueles R$ 100?". Com essa demonstração, colocou as propinas e a captação ilícita de recursos dentro da campanha presidencial de 2014, deixando a situação jurídica da chapa Dilma-Temer em manifesta prática de ilícito eleitoral.

Nesta sexta-feira prosseguirá o julgamento. Teremos um novo dia de debates riquíssimos, porém com um dado concreto: o voto do ministro Herman Benjamin é muito bem estruturado e difícil de ser superado. O dia de quinta não foi bom para a chapa Dilma-Temer.



Por Adriano Soares da Costa (AL)

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