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Sanções Positivas, Prouni e Nota Fiscal Paulista

ANO 2016 NUM 305
Alberto Higa (SP)
Doutorando em Direito do Estado - USP. Mestre em Direito do Estado e Especialista em Direito Tributário – PUC/SP. Especialista em Direito Empresarial e Bacharel em Direito – MACKENZIE/SP. Ex-Assessor de Subprocuradora-Geral da República (PGR/DF – MPF) Procurador do Município de Jundiaí/SP. Membro Fundador Associado do IBEDAFT. Membro do Conselho Editorial da Editora Thoth.


24/11/2016 | 4301 pessoas já leram esta coluna. | 14 usuário(s) ON-line nesta página

O uso das sanções premiais para a consecução dos interesses públicos tem se tornado cada vez mais recorrente na sociedade moderna e complexa em que vivemos. Acreditamos que isso decorre, em grande parte, da constatação de sua efetividade em muitas situações, se comparado ao alcance das finalidades públicas tão somente por meio do desempenho das clássicas atividades administrativas de serviço público e de poder de polícia.

A nosso juízo, na maioria dos casos, a utilização da atividade administrativa promocional ou de fomento vem se somar às citadas atividades de serviço público e de ordenação, tendo nítido propósito de complementar ou potencializar a atuação estatal, no contexto de um Estado Social e Democrático de Direito.

Com efeito, no tocante ao serviço público de educação, temos o exemplo do Programa Universidade para Todos - PROUNI, criado por meio da Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005, o qual tem por finalidade a concessão de bolsas de estudos em cursos de graduação e sequenciais de formação específica em instituições de ensino superior privadas, tendo estas como contrapartida a isenção de tributos indicados no Programa. Desde a sua criação aproximadamente 2 milhões de estudantes foram beneficiados, conforme informação contida no Portal do PROUNI na internet (http://prouniportal.mec.gov.br/o-programa).

Por sua vez, relativamente ao exercício do poder de polícia, tem-se, por exemplo, a Nota Fiscal Paulista, denominado de Programa de Estímulo à Cidadania Fiscal, instituído por meio da Lei estadual nº 12.685, de 28 de agosto de 2007, e que tem por objetivo incentivar os adquirentes de mercadorias, bens e serviços de transporte interestadual e intermunicipal a exigir do fornecedor a entrega de documento fiscal hábil, tendo como contrapartida o recebimento de créditos do Tesouro do Estado, prêmios em sorteios ou abatimentos em impostos, e que tem sido reproduzido por diversos entes políticos. Os números contidos no Placar do Programa impressionam. São R$ 14.783.755.697,00 de créditos distribuídos e 48.424.729.760 notas ou cupons processados (http://www.nfp.fazenda.sp.gov.br/default.asp).

Se é verdade a afirmação de que a construção de políticas públicas centradas na ideia das sanções premiais ou positivas tem sido cada vez mais recorrente, dado a relevância desse instrumento para a consecução dos interesses públicos, também se mostra verdadeira, a nosso juízo, a afirmação quanto à urgente necessidade de aprofundamento dos estudos pela doutrina pátria acerca da respectiva atividade administrativa fomentadora.

Sob tal perspectiva, no âmbito da Teoria Geral do Direito, de fundamental importância os estudos de Norberto Bobbio que examinaram o tema das sanções positivas ou sanções premiais, a partir de uma análise funcional do Direito, em contraposição à abordagem estrutural do Direito (in Da estrutura à função: novos estudos da teoria do Direito”. 1ª edição. Barueri: Manole, 2007).

Para o jusfilósofo italiano, a distinção entre as sanções positivas e as sanções negativas reside tão somente na adoção de técnicas de encorajamento de conduta nas primeiras e de técnicas de desencorajamento de conduta nas segundas, na medida em que nas constituições liberais clássicas, a principal função do Estado era de “tutelar”, “garantir”, e, nas constituições pós-liberais, com maior frequência, vem sendo agregado a função de “promover”, sobressaindo, então, as diferenças entre o ordenamento com a função protetora-repressiva e o ordenamento com a função promocional.

Deveras, sob a ótica funcional, uma vez considerada a função promocional do direito, o ordenamento não pode mais ser visto apenas como uma forma de controle social, obtido por meio da técnica de sanções negativas, mas também como “ordenamento diretivo”, pelo uso da técnica de sanções positivas e dos incentivos. Daí a conclusão de que o direito, do ponto de vista funcional, pode ser definido como “forma de controle e de direção social”.

E, justamente, sob essa ótica da função promocional do direito, é que se pretende apenas repisar a importância dos estudos voltados ao exame da atividade administrativa de fomento por parte da doutrina administrativista pátria, na medida em que, embora o uso de técnicas de fomento pelo Estado não seja recente, tais estudos restaram ofuscados pela atenção conferida às clássicas atividades de serviço público e de ordenação, a partir da influência exercida pela doutrina estrangeira na formação do nosso Direito Administrativo, notadamente, das doutrinas administrativistas francesa, italiana e alemã.

De fato, embora os doutrinadores franceses, italianos, alemães e anglo-saxões não desconheçam os institutos centrados na ideia da função promocional, a exemplo das subvenções, dedicaram maior atenção em face das atividades prestacionais e ordenadoras, ao contrário da doutrina espanhola e hispano-americana, que possuem excelentes estudos acerca da atividade administrativa de fomento.

De todo modo, o cotejo dos nossos Manuais e Cursos de Direito Administrativo revela, felizmente, que, de forma progressiva, os doutrinadores brasileiros tem contemplado um capítulo próprio destinado ao exame da atividade administrativa de fomento, assim como tem se observado um progressivo aumento de trabalhos acadêmicos apresentados em programas de pós-graduação e artigos científicos que se propõem à análise de variados aspectos do exercício da função fomentadora.

Diante desse quadro, se por um lado, no tocante ao conceito da atividade administrativa de fomento haja, atualmente, um certo consenso, baseado na conceituação de tal atividade a partir de sua distinção em face das atividades prestacionais (serviço público) e ordenadora (poder de polícia), tal como proposta por Jordana de Pozas no artigo “Ensayo de una teoría del fomento en el derecho administrativo”, considerado como um divisor de águas, por destacar a ação promocional como uma das formas (espécies) da atividade administrativa e não como um fim em si mesmo do Estado, por outro lado, há inúmeros aspectos que envolvem o exercício da função fomentadora que ainda demandam atenção pela doutrina pátria, notadamente, no delineamento de um regime jurídico que leve em conta as peculiaridades dessa atividade, bem como a identificação dos elementos essenciais da relação de fomento. Trata-se de tarefa árdua, porém, como dito, necessária, com vistas à consolidação de uma teoria que permita a potencialização da função fomentadora como instrumento de consecução dos interesses públicos no contexto de um Estado Social e Democrático de Direito.



Por Alberto Higa (SP)

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