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Compensações Tecnológicas e o Mercado Internacional de Tecnologia: sentido e alcance

ANO 2016 NUM 155
André Luis Vieira (DF)
Advogado e doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra.


26/04/2016 | 4326 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

O contexto sugerido pelo tema perpassa a lógica do cosmopolitismo e da globalização, enquanto fenômenos socioeconômicos e políticos típicos da realidade contemporânea, e traz a certeza de que as intensas transformações, observadas nos mais diversos domínios, alcançam especial relevo na seara jurídico-econômica. Nesse campo, a ordem econômica mundial ratificou o status hegemônico do processo de globalização da economia de livre mercado, tanto pelo enraizamento da formação de blocos regionais, quanto por intermédio da negociação e incorporação, pela Organização Mundial do Comércio (OMC), de práticas mercantis aceitas multilateralmente.

Neste processo de acirramento dos valores globalizantes, a crise do subprime de 2007-2008 só alargou a complexidade multifacetada da realidade atual, onde sociedades cada vez mais plurais e dotadas de múltiplas pretensões materiais, exigem dos Estados a edição de normas e regulamentos para atender à necessidades circunstanciais, relativizando o princípio de eficiência na aplicação de políticas públicas de natureza socioeconômica, aí incluídas as políticas de inovação tecnológicas e de comércio exterior (José Eduardo FARIA (org.), Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas. 1ª ed, 3ª tir., São Paulo, Malheiros, 2010, p. 5).

A competitividade no cenário econômico global, qualquer que seja o setor da economia observado, traduz-se no processo de “mundialização da economia”, acarretando a internacionalização das questões econômicas e financeiras dos Estado e a desconcentração das atividades e prerrogativas típicas aparato estatal (Vicente BAGNOLI, Direito e Poder Econômico: os limites jurídicos do Imperialismo frente aos limites econômicos da Soberania, Rio de Janeiro, Elsevier, 2009, pp. 214-215), ambas características apontadas também como subprodutos da integração econômica na “formalização de blocos regionais e de tratados de livre comercial”. O resultado é a ampla flexibilização das relações contratuais e do deslocamento global de empresas e plantas fabris, o qual se depara com a mitigação ou a ressignificação do alcance dos institutos jurídicos clássicos da atuação do Estado na economia (intervenção, controle, direção e indução).

É exatamente neste ponto que exsurge a relevância do tema, ora em perspectiva. O comércio internacional, enquanto objeto de estudo de diversas ciências sociais, entre elas o Direito, apresenta-se como resultante de uma multiplicidade de fatores, desde os consagrados pela secular necessidade de relações de troca e comércio de matéria-prima, até as modernas práticas mercadológicas envolvendo transferência e absorção de tecnologias (Margareth LEISTER, Aspectos jurídicos do Countertrade, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2000, p. 32-33). Por essa razão, o ambiente econômico global, assaz competitivo, exige que as políticas industriais nacionais incentivem o domínio de processos tecnológicos produtivos, uma vez que, sabidamente, produtos de alto teor tecnológico geram alto valor agregado e ampliação da competitividade na conquista de mercados.

Na particularidade do contrato internacional figurar como instrumento de desenvolvimento econômico, ao menos em termos empíricos, trata-se de negócios jurídicos bilaterais, de natureza multidisciplinar, e ensejadores da interação entre Sociedade, Estado e economia, apresentando-se como legítimos mecanismos organizadores das operações econômicas, circulação de riquezas e bem-estar social.

Reconhecendo-se, portanto, no conceito de contrato a bilateralidade em que as partes, dotadas de capacidade civil, convergem vontades autônomas e contrapostas, com o intento de atingir determinados fins tutelados pelo Direito, observa-se que a ideia de contrato abarca tanto um sentido dinâmico de negócio ou compromisso, fruto da concertação e autorregulamentação dos interesses das partes, como um sentido instrumental, enquanto documento ou formato físico da expressão das vontades alinhavadas e validadas.

Observado o escopo dogmático contratual, além de guardadas as devidas particularidades e especificidades, os contratos internacionais possuem em sua gênese os mesmos elementos lógicos supracitados. Contudo, são suas funções como instrumento de promoção e aprofundamento das relações internacionais e, consequentemente, das questões negociais entre Estados que suscitam maior interesse na resolução dos problemas jurídico-políticos de fundamento e de efetividade do sistema normativo de direito do comércio internacional, regido pela lógica jusracionalista do Tratado de Vestfália (1648). Neste ponto, o somatório dos sentidos dinâmico e instrumental na ideia de contrato internacional trouxe como premissa a viabilidade da ponderação de interesses estatais contrapostos, ao mesmo tempo em que se conformam os diversos ordenamentos nacionais diante da unidade normativa sobre a qual o contrato-instrumento encontra-se erigido (João Grandino RODAS, Contratos Internacionais, São Paulo, Editora RT, 1985 pp. 73 e ss. Também cfr. Maristela BASSO, Contratos internacionais do comércio: negociação, conclusão, prática, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, pp. 18-26).

Pressupõe-se, nessa medida que, as regras de direito internacional, notadamente aquelas conglobantes de aspectos comerciais, são reflexos de uma matriz cujo determinante é a ponderação de valores voluntaristas, resgatados entre a soberania estatal e a consensualidade. Objetivando-se o enfoque metodológico e o esforço participativo dos Estados, aduz-se que os contratos internacionais tem por função primordial regular a redução das restrições ao comércio transnacional, onde o desempenho de cada ator está diretamente atrelado às possibilidades de produção de bens e serviços, com maior racionalidade econômica que seus concorrentes. Tal entendimento teórico mostra que com o efetivo incremento dessas vantagens comparativas entre atores nos mercados globais contribui para o aumento exponencial da eficiência das relações transnacionais de comércio (Frederico Eduardo Zenedin GLITZ, Padronização contratual: notas a partir dos creative commons. In: Marcos Wachowicz. (Org.). Direito da Sociedade de Informação e Propriedade Intelectual, Curitiba, ed. Juruá, 2012, pp. 01-12. Ver também do mesmo autor, Contrato, globalização e LEX mercatória [recurso eletrônico], Convenção de Viena 1980 (CISG), Princípios Contratuais Unidroit (2010) e Incoterms (2010), Rio de Janeiro, Clássica, 2012, pp. 234 e ss).

Como a temática desenvolvida reside no âmbito das contratações internacionais perpetradas por ou em nome de Estados soberanos, visando ao atendimento de interesses públicos e privados de diversos matizes, a consecução de tais instrumentos jurídicos deve observar a judiciosa aplicação dos recursos financeiros envolvidos, dirigindo máxima legitimidade e efetividade às políticas públicas implementadas, bem como maior entrelaçamento e complementariedade dos resultados esperados.

No caso, políticas públicas compensatórias nas contratações internacionais de grande vulto devem almejar níveis sucessivos de desenvolvimento socioeconômico, particularmente quando considerada a condição dos países em vias de desenvolvimento, mediante planejamento, monitoramento e coordenação dos efeitos transversais, horizontais e convergentes de tais políticas.

Assim, consciente da condição de primazia do indivíduo na ordem internacional, como fundamento moral e jusracionalista do moderno direito internacional e argumento válido adstrito da voluntas estatal, o direito ao desenvolvimento socioeconômico deve ser interpretado como umas das expressões basilares da dignidade humana como direito fundamental, na estreita medida em que esses contratos internacionais podem ser modelados para realizar, efetivamente, medidas de compensações comerciais, industriais e tecnológicas.

Assim, o ambiente econômico internacional, onde os acordos de compensação são processados, envolve, ao menos em seu enquadramento axiológico e teórico, operações comerciais no setor da defesa nacional e de programas de segurança pública, entre Estados soberanos (Arnaldo Gabriel R. Costa NEVES, Dos Contratos de Contrapartidas no Comércio Internacional – Countertrade, Coimbra, Almedina, 2003, p. 42). Todavia, há casos de países onde tais acordos também podem ser exigidos na contratualização de grandes projetos civis, notadamente de infraestrutura. Constituindo-se transações envolvendo vultosos investimentos de capital, diretamente associados a igualmente elevados custos follow-on em termos de operação, manutenção e suporte, os Estados contratantes (Pedro Costa GONÇALVES, Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante, Coimbra, 2013, pp. 25-26) têm tentado estabelecer compensações a essas obtenções, constituindo a partir da contratação instâncias de ampliação de capacidades apropriadas a geração de emprego e renda, além de induzir uma espiral crescente de desenvolvimento socioeconômico (Gilberto BERCOVICI, Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988, São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p. 51).

Assim, tais acordos podem vir a ser operacionalizados em diferentes ambientes político-institucionais, bem como por diversos arranjos jurídico-contratuais, estes geralmente divididos em duas categorias. A primeira, como aquela formada pelas compensações diretas, enquanto transações abertamente relacionadas ao objeto do contrato principal (coprodução; subcontratação; transferência de tecnologia; capacitação de pessoal; produção licenciada; financiamento). Na segunda, preservada a mesma lógica compensatória, as compensações indiretas, como operações não inteiramente relacionadas com o atendimento do objeto, visam induzir políticas públicas de inovação tecnológica e industrial em diversos setores da economia, aproveitando-se, para isso, das capacidades das empresas contratadas ou subcontratadas, em atividades de investimento em setores estratégicos do país contratante, formação e treinamento (capacitação) de pessoal, e transferência de outras tecnologias de interesse nacional.

Neste argumento, os maiores propósitos para a adoção de acordos ou programas de compensação estão concatenados entre si e apresentam perspectivas de fomentar setores da economia, por via de acordos paralelos de coprodução e subcontratação, o que permitiria gerar uma cadeia de suprimento com empresas fornecedoras do país importador. Aliado a esta possibilidade, a tendência pela redução ou até a substituição de importações, reduz o impacto negativo do contrato principal na balança de pagamentos e estimula a autossuficiência da cadeia produtiva, nacional ou nacionalizada, bem como mitiga a dependência de fornecedores estrangeiros, notadamente na cadeia logística (em atividades de manutenção e suporte, produção de spare parts ou, até mesmo, produção integral). Além disso, tal raciocínio permite considerar o incremento das competências tecnológicas locais, mediante atividades de transferência e absorção de tecnologia e ampla capacitação de mão-de-obra.

Em rigor, a busca de sentido para a correta abordagem da temática em comento versa sobre a necessidade de se estabelecer, ao menos conceitualmente, as possibilidades e finalidades públicas que poderão ser alcançadas pelos contratos de contrapartidas. Nesta propositura, o objetivo maior é despertar o debate sobre a importância da lógica do countertrade no comércio internacional de bens e serviços, elucidando as diferenças presentes nas diversas modelagens contratuais adotadas e ponderar sobre as efetivas possibilidades de desenvolvimento socioeconômico e avanço tecnológico, caso haja adoção desses mecanismos contratuais de compensação.

Salienta-se, por oportuno, que o countertrade se apresenta como espécie de operação econômica contratualizada, na qual se busca equilibrar a balança de pagamentos em relações comerciais internacionais, quer seja por matérias-primas e recursos naturais, quer seja por produtos manufaturados e agregados tecnológicos. Portanto, a primeira característica relevante a ser deduzida é que tais mecanismos subsistem em ambientes comercias, onde sua prática é marcada pelo diálogo com múltiplas normas nacionais, a versarem sobre aspectos jurídico-contratuais, ou com realidades político-conjunturais, cujos requisitos de natureza técnica suscitam os imperativos do interesse público (LEISTER, Aspectos jurídicos do Countertrade, ob. cit., pp. 54-61).

Partindo-se desse pressuposto, a correta formulação de políticas nacionais industriais e de inovação tecnológica incentiva o investimento estratégico de capital estrangeiro e gera demanda para o fortalecimento e a modernização da base industrial dos setores econômicos fomentados.

Este foi o caso em que se enquadram, particularmente, países, conhecidos como “tigres asiáticos” e ajuda a explicar a dinâmica do desenvolvimento daquela região do globo. No tocante a esse exemplo, inicialmente, as altas taxas de poupança interna e a mobilização intensiva de recursos humanos e materiais, visando à ampliação dos níveis de desenvolvimento socioeconômico regional, não foram suficientes para evitar a crise financeira e cambial de 1997. Os défices orçamentários e a pouca atratividade aos investimentos internacionais, conduziram os países da região à elevação dos níveis da dívida externa e, consequentemente, à redução de suas capacidades de financiamento. Assim, uma das possibilidades encontradas para manter a balança comercial adequada, foi a busca de opções de financiamento alternativas, incluindo-se contratos de contrapartida. Estes, a seu turno, formaram a principal exigência desses países nos casos de aquisições de grande vulto, quer militares ou civis, quer serviços ou produtos com agregação de valor tecnológico (Nicolino STRIZZI, G.S. KINDRA, A Survey of Countertrade Practices with East European Countries, International Marketing Review, Vol. 10, Nr. 6, 1993).

Desta forma, muito embora o countertrade seja uma prática complexa se considerado do ponto de vista do arranjo negocial, pode-se deduzir que se trata de método capaz de influenciar e incrementar a eficiência do comércio internacional.

O contrato de contrapartida, como qualquer outra espécie contratual, traz ínsito em sua gênese ideias de riscos e custos associados. Por se tratar de método específico de efetivação de negócios internacionais que visam, notadamente e não exclusivamente, contratos de interesse da defesa nacional, segurança pública, infraestrutura e modernização industrial; ao mesmo tempo em que permitem inúmeras possibilidades negociais aos beneficiários, podem acarretar a ampliação dos custos integrados às obrigações contratuais, à razão aritmética ou exponencial, conforme o nível de exigibilidade pensado para as compensações. Dito de outra maneira, os equívocos da política pública de incentivos aliado às falhas no acompanhamento e na gestão dos contratos (principal e de contrapartida), ocasiona a falta de mensuração do cumprimento das medidas compensatórias e o decorrente erro de estimativa do impacto econômico do countertrade para os setores da economia considerados (Hans Peter ULRICH. Enhancing the effectiveness of international development: a systems approach, Development in Practice, 2010, 20:2, pp. 251-264).

É comum na literatura sobre o tema encontrar o argumento de que as empresas globais que abordam o countertrade de forma mais proativa tendem a ganhar vantagens estratégicas sobre aquelas concorrentes que o adotam passivamente (Motseki MOFAMMERE, Countertrade as an Export Development Strategy for Less-developed Countries: A Model and Application to Lesotho, Curtin University of Technology, 1995). Para tanto, a caracterização de uma abordagem proativa das contrapartidas reside na lógica negocial de encará-la como mais uma dentre várias ferramentas ou técnicas comerciais de financiamento, à opção do Estado proponente comprador.

Assim, resta claro que a finalidade das práticas de contracomércio é liberalizar os mercados globais e incrementar estratégias de competitividade, permitindo mais especificamente aos países em vias de desenvolvimento traçar políticas públicas oportunas para ampliar, ao máximo, o escopo das relações comerciais. Contudo, não podem ser desprezadas as hipóteses de utilização geoestratégica dos contratos de compra e venda internacionais e seus respectivos pactos de contracomércio, mediante o conteúdo restritivo das disposições negociais e da geração de assimetrias informacionais e externalidades sobre terceiros.

Verifica-se assim que as cláusulas dispostas em relações negociais desta natureza, tendem a predeterminar o alcance e as possibilidades do contrato, gerando limitações exógenas e endógenas à organização de operações econômicas, decorrente da suscetibilidade e da interferência geopolítica nas oportunidades comerciais.

A caracterização das operações de contratação de contrapartidas, enquanto resultado de um arranjo contratual de compra e venda internacional, ao estabelecer direitos e obrigações, não requer, para a formalização do pacto, um padrão negocial prefixado. Esta regra de liberdade negocial é igualmente válida para os contratos de contrapartida, visto que uma vez definidos e reduzidos a termo os detalhes da negociação, os argumentos ali apresentados passam a integrar o contrato-instrumento como seus elementos constitutivos. Além disso, os termos empregados para delinear os principais estilos de negociação variam de acordo com o teor da norma e da cultura político-institucional do Estado contratante. Desta forma, as operações de countertrade têm por definição lógica e composição estrutural natureza fluídica, moldando-se à opção negocial eleita e às escolhas assumidas pelas partes, para a concretização da relação comercial (Margareth Anne LEISTER, Obrigações conexas, grupos de contratos e operações de offset. In: BRASIL, Ministério das Relações Exteriores, Panorama da Prática do Offset no Brasil: uma visão da negociação internacional de acordos de compensação comercial, industrial e tecnológica, Brasília, 2004, pp. 95-98).

Portanto, para se iniciar uma abordagem mais apurada sobre a caracterização dos contratos de contrapartida exige-se, inicialmente, que se apresentem os diversos tipos e modalidades contratuais pertinentes. A saber, os acordos de compensação stricto sensu, também tratados por offsets, são assim concebidos como todo e qualquer acordo permissivo de prática compensatória de saldos negociada entre as partes contratantes, como condição para a importação de bens e serviços e cujo intuito é beneficiar comercial, industrial e tecnologicamente o importador. Em alguns casos, os países importadores expõem a exigência de offset como condição sine qua non para a realização da contratação principal (Nuno Cunha RODRIGUES, A Contratação Pública como Instrumento de Política Econômica, Almedina, 2013, pp. 530-531).

Nesta perspectiva, tais operações comerciais são altamente expressivas no cenário econômico internacional, quer em função do montante de valores envolvidos, quer em volume de transações negociadas. Diversos são os fatores que contribuem para a relevância do sistema de contrapartidas no cenário internacional. Estes podem ser explicitados desde as crises financeiras cíclicas, que afetam o crédito e a capacidade de financiamento dos Estados, passando pela tendência mundial ao bilateralismo e à concertação de países em blocos regionais que visam à redução de desequilíbrios comerciais e sociais, até se alcançar a conclusão de que o countertrade é vislumbrado como uma ferramenta dinâmica e flexível para se ingressar e consolidar novos mercados (NEVES, Dos Contratos de Contrapartidas no Comércio Internacional – Countertrade, ob. cit, p. 16).

Ora, as transações de comerciais especializadas em contrapartidas assinalam como vantagens, as seguintes proposições: alargamento e manutenção de novos mercados; ampliação do volume e das possibilidades de negócios; redução dos riscos associados às questões de liquidez e de crédito dos Estados compradores, mitigando situações de inadimplência; ampliação de compromissos e agregação de valor ao relacionamento entre contratantes e contratados; mitigação de risco de perda de mercados para os concorrentes (Kenton W. ELDERKIN, Warren E. NORQUIST, Creative countertrade: a guide to doing business worldwide, Ballinger Pub. Co., Universidade da Califórnia, 1987, pp. 123-131).

Em razão disso, a discussão acerca das hipóteses de utilização de mecanismos de contracomércio orbitam ao redor de algumas questões. A primeira versa sobre o aspecto financeiro nas operações em voga, sempre um fator decisivo na modelagem contratual, seja pela crise internacional de crédito e consequente impacto sobre a escassez de divisas, seja pelas típicas variações cambiais cíclicas e contracíclicas. A segunda, a seu turno, aborda o dinamismo e a instabilidade do cenário político-institucional envolvido nessas operações, resultado do entrechoque de múltiplos fatores de decisão, tais como medidas de protecionismo dos postos de trabalho e da indústria local, inaugurando ou incrementando regras que beneficiem o país contratante, ou mediante a consecução de políticas de desenvolvimento de competências industriais e tecnológicas. A terceira questão reside, como consequência dos temas anteriores, na aquisição de capacidade competitiva do Estado destinatário, em face dos fornecedores, haja vista a possibilidade de vir a integrar a disputa por novos mercados.

A matriz estratégica que acompanha os acordos de compensação é composta, em ultima análise, por quatro dimensões. A primeira, de natureza defensiva, tenta limitar a aplicação das práticas compensatórias à obrigações de suporte em ações de marketing e prospecção de mercados para fomentar as exportações do país contratante. A dimensão estratégica passiva trata as operações compensadas com mínimo interesse, uma vez que as visualizam como fato inerente ao comércio internacional e que pouca ou nenhuma agregação de valor traz à atividade mercantil no seu todo.

Não obstante, a estratégia mais usualmente aplicada, particularmente por empresas norte-americanas, é a reativa, onde o mandamento é empregar os contratos de contrapartida estritamente como uma ferramenta competitiva na conquista e manutenção de mercados, sem que isso implique, efetivamente, em transferências de tecnologias ou outras práticas afins, evitando-se expor ao risco setores da economia americana envolvidos nas trocas de mercado (U.S. Department of Commerce - Bureau of Industry and Security - Offsets in Defense Trade - Sixteenth Study - Conducted Pursuant to Section 723 of the Defense Production Act of 1950, as Amended, January 2012).

Estas ações, contudo, não impedem de se conceber estratégias proativas, geradoras de compromissos com emprego intensivo de compensações das mais diversas modalidades, incluindo-se ferramentas de marketing e transferência de tecnologia, desde que seja mais rentável ou agregue valor ao contrato. Tal escolha, contudo, é estabelecida em conformidade com as condições negociadas em cada caso específico, designadamente tendendo à redução dos custos de transação e à mitigação da incerteza gerada pelas assimetrias informacionais. Todavia, as modalidades de countertrade denominadas offset e counterpurchase se apresentam como aquelas mais aptas a gerar oportunidades rentáveis nessas esferas negociais (Burhan Fatih YAVAS, Rodney FREED, Demos VARDIABASIS, Uncertainty, the Lemon Problem, Asymmetric Information and Countertrade, Journal of Transnational Management Development, 2000, 5:1, pp. 3-32, DOI: 10.1300/J130v05n01_02).

O pressuposto dos acordos de compensação tecnológica como elemento indutor de desenvolvimento socioeconômico, diante da lógica vigente no mercado internacional, notadamente o de tecnologia, exige esforço dogmático na atuação soberana dos Estados-nação, enquanto ente legitimado a incentivar e promover o desenvolvimento socioeconômico e desempenhar papel central na escolha das políticas públicas de incentivo à inovação (Mariana MAZZUCATO, O Estado Empreendedor, São Paulo, ed Portfolio Penguin, 2014, edição digital), restando caracterizado pela proposição de mecanismos de compensação, via transferência de tecnologia, as perspectivas impostas por tais mercados.

No ponto, essa questão merece ser ratificada, ao enfatizar que o comércio internacional encontra-se alinhado com modernas práticas mercadológicas envolvendo transferência e absorção de tecnologias. Por essa razão, o ambiente global das relações comerciais, sabidamente competitivo, exige que os Estados sejam capazes de propor políticas industriais nacionais que efetivamente incentivem o domínio de processos tecnológicos produtivos, visto que os bens e serviços de alto teor tecnológico são os elementos que mais agregam valor à sociedade e mais colaboram com a ampliação da competitividade dos mercados (United Nations Commission on International Trade Law, UNCITRAL legal guide on international countertrade transactions, New York, ed. United Nations, 1993, pp. 9 e ss, 35 e ss).

Ocorre que a constante falta de liquidez financeira internacional gerada por sucessivas crises financeiras e cambiais, demanda maior agilidade dos mecanismos transnacionais de regulamentação comercial. Esses, por sua vez, se sobressaem como meios efetivos de pagamentos alternativos à comercialização de produtos e serviços, cujos ciclos tecnológicos passaram a exigir, mais particularmente, acordos de compensação de saldo (offset). Portanto, a disseminação de informações tecnológicas mediante tais modalidades de acordo se consolida pela cooperação comercial, calcada na lógica da reciprocidade e da proporcionalidade, notadamente no que tange à atividades de assistência técnica em transferência de tecnologia (LEISTER, Aspectos jurídicos do Countertrade, ob. cit., p. 44).

O alinhamento geoestratégico ou a existência de acordos de cooperação técnico-comercial (bilateralismo ou regionalismo), congregado com o poder de compra do Estado contratante, certamente gerará reflexos político-institucionais favoráveis em termos de efetividade e celeridade negocial. Além disso, permitirá a ampliação das possibilidades de utilização do offset como instrumento de ação da política industrial e tecnológica, mediante a criação de oportunidades para a agregação de tecnologia, desenvolvimento da indústria e alavancagem das exportações, e ainda reduzir o esforço financeiro associado às importações.

Tal realidade é verificável com o evento histórico que marca o fim da Guerra Fria, quando uma das principais consequências observadas foi, designadamente, o sensível decréscimo do volume de operações comerciais envolvendo aquisição de equipamentos militares e assessoria em serviços de defesa. Neste processo, as relações comerciais experimentaram a continuidade da convergência de interesses interestatais por práticas de offset em outros contratos internacionais de grande vulto, que não os exclusivamente destinados à defesa nacional (civil offsets).

É certo que as mais avançadas economias possuem maior grau de inserção no mercado internacional, justamente por serem capazes de investir maior quantidade de recursos humanos e materiais em seu mercado interno. Percebe-se, pois, que este conjunto de ações gera um efeito dinamizador dos fatores de desenvolvimento socioeconômico que, por sua vez, refletem sobre o nível de investimento que essa mesma economia gerará em outros mercados.

Ao se analisar as variáveis que compõem o esforço de tais ações, verifica-se que os sistemas econômicos mais desenvolvidos possuem, comparativamente, os sistemas mais amadurecidos de inovação e oferta de novas tecnologias. Trata-se da premissa conceitual de que quanto menos desenvolvida é uma economia nacional, maior será o custo de adaptação dessas tecnologias às condições do mercado local. O risco associado repousa na possibilidade do custo de adaptação desincentivar a importação de tecnologias de ponta ou, ao menos, incitar a contratação de tecnologias menos sofisticadas, na tentativa de equilibrar os gastos decorrentes.

As atividades desenvolvidas por governos e empresas multinacionais no mercado internacional de tecnologia podem ser observadas com base no nível de investimento em recursos humanos e materiais, bem como nos fluxos de importações de tecnologia intensiva. Tais investimentos são interpretados como um canal direto de transferência de tecnologia, designadamente no exemplo de países em vias de desenvolvimento. Esta assertiva é validada pelo confronto do fato com as evidências de que empresas locais reagem, com aumento de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), à adoção de tecnologias incorporadas de mercados estrangeiros (Carolina Marchiori BEZERRA, Inovações Tecnológicas e a Complexidade do Sistema Econômico, São Paulo, ed. UNESP, 2010, edição digital).

Neste contexto, a evidência expõe que as economias nacionais que operam níveis internacionalmente aceitáveis de proteção à propriedade intelectual, tendem a ser mais efetivas no recebimento das medidas de compensações tecnológicas, uma vez que os acordos de offset geram oportunidade de: produção licenciada; coprodução, subcontratação; investimentos estrangeiros diretos, e; transferência de tecnologia, por via de assistência técnica, capacitação de pessoal (formação e treinamento) e atividades de P&D, propriamente considerada. Isto implica que os provedores internacionais de tecnologia são mais propensos a exportar tecnologia aos países onde as instituições respeitam a propriedade intelectual (Aviv SHOHAM, Dorothy A. PAUN, A Study of International Modes of Entry and Orientation Strategies Used in Countertrade Transactions, ob. cit. Em sentido contrário, N. Stephan KINSELLA, Contra a Propriedade Intelectual, ed. Instituto Ludwig von Mises, 2010, pp. 25-38).

Em outro prisma, ao se considerar economias menos desenvolvidas, mas capazes de aprimorar sua capacidade absorver a tecnologia transferida, no contexto de uma postura proativa aos investimentos de capital (nacional e estrangeiro) e condizente com a formação de mão de obra especializada, observar-se-á o efeito convergência (catch up). Portanto, o que se evidenciará é o efeito dinamizador sobre o sistema econômico que a atividade de transferência de tecnologia revela, quando há sinergia entre os fatores favoráveis ao desenvolvimento científico e tecnológico.

Sendo assim, a busca pela efetivação da condição de primazia do indivíduo, quer na ordem interna, quer na ordem internacional, expõe a urgência de se protocolar o direito ao desenvolvimento socioeconômico no rol das estruturas basilares da dignidade humana como direito fundamental. Nesta medida, os acordos de compensação praticados internacionalmente podem ser modelados para realizar, efetivamente, medidas compensatórias capazes de favorecer e estimular o desenvolvimento tecnocientífico, particularmente dos países em vias de desenvolvimento.

A importância do estímulo à produção de produtos manufaturados, dotados de valor tecnológico agregado, revela-se de caráter estratégico para o desenvolvimento da economia e para a conquista de novos mercados. Mas isso só ocorre de fato, na medida em que ciclos virtuosos são iniciados por políticas públicas ajustadas e realistas de incentivo à inovação tecnológica e de viés industrialista, conectando de forma sistêmica capital humano, capital inovativo e capital financeiro, por intermédio da exploração eficaz de tecnologia de ponta.

O esforço doutrinário despendido pela literatura especializada na construção de uma base teórica sólida e coerente para os contratos de contrapartida, particularmente para os acordos de compensação stricto sensu, considera que sua fundamentação encontra-se lastreada na realidade fática do comércio internacional. Portanto, a argumentação de que sua tipificação resta cogente à luz dos fatos, não pode admitir que discrepâncias administrativas ou executivas e que a falta de regulamento próprio sejam invocadas para desqualificá-los enquanto instrumentos contratuais válidos e eficazes.

Sob a disfunção dos acordos de compensação apontados por parte respeitável da doutrina, a conclusão deste breve ensaio assinala discordância, pelo justo argumento de que é possível ampliar-se os efeitos positivos e dinamizadores dos referidos ajustes na economia dos Estados contratantes, desde que haja: efetividade na gestão e no controle contratual (incluídas as atividades de acompanhamento e fiscalização do cumprimento das metas pactuadas), como via de mitigação de resultados esperados e não alcançados; a configuração das obrigações (sejam em contratos apartados, sejam como cláusulas dos contratos principais) de natureza jurídica condicional, ou seja, só se considerando adimplida a obrigação principal e seu respectivo pagamento, quando ocorrer a satisfação das obrigações de compensação); e adoção de uma política pública efetiva de inovação tecnológica e de desenvolvimento científico que seja, ao mesmo tempo empreendedora e inclusiva.



Por André Luis Vieira (DF)

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