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Credenciamento e Contratos da Administração: uma alternativa virtuosa

ANO 2016 NUM 199
Bernardo Strobel Guimarães (PR)
Doutor em Direito do Estado pela FADUSP. Professor da PUCPR. Advogado em Curitiba.


27/06/2016 | 20592 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

Licitação na sua acepção mais elementar é disputa. Onde não existir disputa, licitação não haverá por ausência de condições fáticas. E para que haja disputa são necessárias certas condições fáticas. Antes de jurídico, o tema diz respeito à realidade e não ao direito, que se limita a reconhecer as imposições da realidade.

A primeira e mais evidente dessas condições é que haja mais de um ofertante capaz de ser contratado pela Administração. Isto é, haja mais de uma pessoa capaz de fornecer o objeto buscado pela Administração (o que se afere pela habilitação). Verificada tal condição, estrutura-se a disputa a partir de elementos objetivos, de modo a determinar qual dos possíveis ofertantes  têm condições de apresentar a melhor proposta. Ou seja, diante de vários possíveis contratantes, a Administração deve selecionar a melhor proposta de modo objetivo, respeitando o direito de todos os interessados concorrerem para ter acesso às oportunidades de contratar com o Poder Público. Em suma: a amplitude de interessados para uma oportunidade restrita de contratar, impõe que haja disputa a partir da ideia de melhor proposta.

A contrariu sensu, se não houver mais de um particular capaz de satisfazer a necessidade da Administração, tem-se a figura da inexigibilidade em função da singularidade do fornecedor. Isso porque se não houver mais de um ofertante não há qualquer disputa a ser levada a cabo, inviabilizando a competição.

Todavia, essa não é a única hipótese no que se refere à inexigibilidade. Isto porque,  a par de haver certas circunstâncias (fáticas ou jurídicas) que tornem determinado particular titular da exclusividade para fornecer dado bem ou serviço, existe ainda a hipótese de o objeto do contrato ser singular. Singularidade aqui significa que a prestação demandada é incapaz de ser submetida a um critério objetivo de avaliação visa-à-vis a outras prestações similares. Nesses casos, o fato de objeto não comportar comparação a partir de um elemento objetivo, autoriza a Administração a promover a escolha de modo discricionário, respeitando-se as exigências de motivação e razoabilidade de preços.

Usualmente, a inexigibilidade está associada, portanto, ou inexistência de vários fornecedores ou ainda às condições intrínsecas de certos objetos, a impedir a disputa objetiva. Eis os sentidos comumente extraídos do art. 25 da Lei de Licitações.

Todavia, há outra condição para que possa se falar em licitação (como já notara há tempos Carlos Ari Sundfeld no seu livro acerca de licitações e contratos). Ela diz respeito à hipótese de o vínculo a ser oferecido pela Administração estar disponível potencialmente a todos os interessados. Para que haja disputa é necessário - antes do que existirem vários interessados - que haja certa escassez na oferta da Administração. Deste modo, ao cogitarmos das hipóteses de inexigibilidade usualmente analisadas costumamos assumir uma premissa implícita: a de que a oportunidade de contratar não estará disponível a todos os interessados. Só que nem sempre essa premissa é verdadeira. E, em não o sendo, não cabe a realização de licitação.

Mas afinal, o que fazer nesses casos? A resposta não está contemplada de modo explícito nos diplomas que estruturam as contratações administrativas.

Aqui entra em cena a figura do credenciamento de particulares pela Administração.

A figura é objeto de algumas cogitações doutrinárias (v.g. o texto original de Adilson Dallari sobre o tema), todavia ainda há muitas incertezas sobre o assunto. Primeiramente, credenciamento é termo dotado de diversas possibilidades de sentido. Em comum a elas, alude-se a algum registro prévio de particulares para aturem de algum modo em colaboração com o Estado. O credenciamento destina-se a selecionar previamente particulares que, mercê desse ato, poderão colaborar de modo não episódico com a Administração. Em termos técnicos, cria uma relação especial com certos particulares, a autorizar a constituição futura de vínculos econômicos com eles, em condições pré-definidas.

Sem embargo da ambiguidade do termo, o credenciamento que nos interessa aqui é aquele que permite a celebração de vínculos contratuais com a Administração, nos termos da definição ampla de contrato administrativo encontrada no parágrafo único do art. 2o da Lei 8.666/93. Ou seja, o credenciamento que serve de antecedente lógico à celebração de uma relação contratual entre particulares e Administração, com vistas ao atendimento de finalidades desta. Nessa hipótese o procedimento serve de sucedâneo da licitação e tem aplicabilidade como uma modalidade específica de inexigibilidade de licitação.

Nesses casos, em linhas gerais, o procedimento implica, que diante de uma oportunidade de contratar passível de ser oferecida de modo equivalente a diversos interessados, a Administração promova o registro formal de todos os particulares capazes de atender sua necessidade e, a partir daí, direcione objetivamente suas demandas para eles. Claro que para tanto, qualquer dos credenciados deve poder cumprir com propriedade o objeto do contrato, sendo indiferente para Administração quaisquer circunstâncias pessoais.

Já quanto à remuneração, o credenciamento exige ainda que ela seja previamente definida de modo objetivo de modo a eliminar que os particulares disputem a melhor proposta a partir do preço.

Nota-se, portanto, que o credenciamento é uma técnica à disposição da Administração para ser utilizada nos casos em que a licitação é inexigível por não se estar diante de uma oportunidade contratual restrita. Em tese, a demanda da Administração é estável e ampla, assim como admite de modo indiferente à sua satisfação por diversos interessados. Nesses casos é que a Administração pode se utilizar do credenciamento.

Por meio do credenciamento, os potenciais ofertante serão identificados e registrados (i.e. credenciados) e as demandas da Administração serão a eles direcionadas de modo impessoal, a preços definidos de modo objetivo. A referida metodologia é adequada, portanto, para as hipóteses em que não seja necessário constituir um vínculo específico e estável com um particular e haja uma oferta elástica no que toca aos contratos a serem celebrados. Ela se amolda bem a situações em que a Administração simplesmente vai ao mercado adquirir bens e serviços em relação aos quais as condições subjetivas do fornecedor sejam indiferentes, bem como a oferta seja constante.

Logo, para que haja o credenciamento três condições fáticas devem ser satisfeitas: (a) deve haver a existência de uma demanda pública (por bem ou serviço) que seja abundante e uniforme (oferta elástica); (b) deve existir um mercado privado estruturado capaz de satisfazer às necessidades públicas e (c) uma metodologia de preço que seja objetiva em função das práticas de mercado.

Nada obstante não haja regulamentação expressa do tema na Lei 8.666/93, fato é que a metodologia exposta acima já foi chancelada pelo TCU, que a admite nos casos em que a Administração pretenda celebrar o maior número possível de contratos. Por outro lado, há previsão acerca do tema em algumas leis de abrangência local; por exemplo, a Lei de Licitações do Estado do Paraná a prevê de modo expresso, tendo o tema sido disciplinado por Decreto.

A técnica do credenciamento, portanto, se destina a permitir a estipulação de relações comerciais em mercados em que a demanda da Administração é suficientemente elástica para dar conta de atender a todos os interessados de contratar com ela. Essa amplitude é que acaba por excluir faticamente a disputa, autorizando o credenciamento.

Todavia, em que pese a referida metodologia de contratação ser já usada pela Administração em alguns casos, fato é que ela é subutilizada. Isso porque para diversos bens e serviços demandados diuturnamente pela Administração se faz presente essa nota de capacidade de contratar diversos interessados, de modo a permitir a utilização dessa técnica nessas ocasiões.

O rol das demandas estáveis da Administração em que o preço pode ser parametrizado a partir de critérios objetivos é amplo (material de escritório, serviços de oficina, publicidade legal, etc.). Em especial, se a Administração se organizar para concentrar suas compras de modo a evitar a repetição de diversos certames para a aquisição dos mesmos bens, deflagrados por diversas pessoas administrativas. É dizer: a organização das compras públicas a partir de critérios que maximizem as vantagens para a Administração tem no credenciamento um aliado importante.

A técnica do credenciamento permite que haja o registro dos potenciais fornecedores e dos preços, de modo a tornar as contratações administrativas mais céleres, gerando economia de tempo e dinheiro em favor da Administração Pública.

É uma alternativa à disposição dos Administradores na legislação atual que permite que se elida a licitação em casos em que ela não é capaz de, efetivamente, proteger o interesse público. Cumpre então organizar as compras administrativas para que ela seja utilizada na maior medida possível, de modo a reduzir os custos associados à realização de licitações que nem sempre atendem de modo efetivo ao interesse público.



Por Bernardo Strobel Guimarães (PR)

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