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Breves considerações sobre a declaração de inconstitucionalidade e os efeitos modulatórios da sentença

ANO 2016 NUM 152
Daniela Libório (SP)
Professora de Direito Urbanístico e Ambiental da PUC-SP. Mestre e Doutora pela PUC-SP. Especialista em Políticas Ambientais pela Universidade Castilla-La Mancha. Coordenadora do Núcleo de Direito urbanístico da Pós Graduação da PUC-SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico - IBDU. Advogada.


24/04/2016 | 4206 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

O Ministério Público vem impetrando Ações Diretas de Inconstitucionalidade em diversos municípios do país perante os Tribunais de Justiça contra Prefeitos e Presidentes de Câmara Municipal. Em essência, alegam vícios de iniciativa e ausência de participação popular em leis municipais de matéria urbanística.

Referidas emendas parlamentares teriam muitas vezes o objetivo de abrandar restrições urbanísticas (aumento de taxa de ocupação, da capacidade de aproveitamento e gabarito, ampliação dos usos admissíveis, redução de destinação de áreas públicas em empreendimentos); redução de vagas de estacionamento, de construção de calçadas, redução de largura de vias, abrandamento das restrições de construção em terrenos com declividade, entre outras mais questões.

A concepção de decidir judicialmente sobre efeitos que ainda possam ser produzidos por uma lei ou ato tidos como inválido, ilegal ou inconstitucional está calcada no princípio da segurança jurídica. Ao declarar inconstitucional uma lei, o juiz estabelece e separa a lei dos efeitos que produziu além de estabelecer possibilidades em produzir efeitos futuros sobre a lei já retirada do sistema jurídico. Protege, na primeira hipótese, o aspecto objetivo da segurança jurídica (a estabilidade da relação jurídica nos atos já emanados); na segunda hipótese protege essencialmente o aspecto subjetivo (qual seja, a proteção da relação de confiança estabelecida entre administrado e Administração). É disto a que se referem os efeitos modulatórios de uma sentença.

Não é outra a direção do exemplo abaixo sobre uma declaração de voto da Corte Suprema:

Ementa:. I. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL QUE INSTITUI BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. AUSÊNCIA DE CONVÊNIO INTERESTADUAL PRÉVIO. OFENSA AO ART. 155, § 2º, XII, g, DA CF/88. II. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS. 1. A instituição de benefícios fiscais relativos ao ICMS só pode ser realizada com base em convênio interestadual, na forma do art. 155, §2º, XII, g, da CF/88 e da Lei Complementar nº 24/75. 2. De acordo com a jurisprudência do STF, o mero diferimento do pagamento de débitos relativos ao ICMS, sem a concessão de qualquer redução do valor devido, não configura benefício fiscal, de modo que pode ser estabelecido sem convênio prévio. 3. A modulação dos efeitos temporais da decisão que declara a inconstitucionalidade decorre da ponderação entre a disposição constitucional tida por violada e os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, uma vez que a norma vigorou por oito anos sem que fosse suspensa pelo STF. A supremacia da Constituição é um pressuposto do sistema de controle de constitucionalidade, sendo insuscetível de ponderação por impossibilidade lógica. 4. Procedência parcial do pedido. Modulação para que a decisão produza efeitos a contatar da data da sessão de julgamento. (STF – ADI 4481 – PR – Relator: Min. Roberto Barrosos – Data de publicação DJe 19/05/2015 - ATA Nº 70/2015. DJE nº 92, divulgado em 18/05/2015)

É possível analisar com razoável tranquilidade a separação da lei inconstitucionalizada e os efeitos que dela devem advir. Mais ainda. Estabelece que no lapso temporal entre a vigência inicial da lei e sua retirada do sistema os atos ali produzidos devem ser mantidos como válidos e eficazes se assim o eram na oportunidade de sua produção. Ou seja, a determinação dos efeitos modulatórios cria um sistema de recepção dos atos anteriormente produzidos para serem mantidos como válidos. Portanto, procedimentos ainda em trâmite e requerimentos efetuados na vigência da lei questionada, desde que tenham produzido efeitos anteriormente ao acórdão, podem ser declarados como válidos e terem sua eficácia garantida. Significa dizer que projetos que já tenham sido analisados e considerados adequados e válidos podem prosperar e serem implementados.

Uma decisão judicial que culmine com a declaração de inconstitucionalidade da lei urbanística redefine o cenário urbanístico do Município e retira do sistema jurídico a lei regulamentadora do uso, parcelamento e ocupação do solo municipal, trazendo, como decorrência necessária, a elaboração de nova lei para o tema. Portanto, a lei inconstitucionalizada não é mais aplicável naquilo que foi determinado pelo Poder Judiciário. Se o for, será inconstitucional e ilegal e seus efeitos serão nulos.

Por outro lado, a mesma decisão judicial deve determinar os efeitos transitórios para casos concretos sobre a lei suprimida bem como sobre a lei anteriormente revogada pela lei inconstitucional. Nesse sentido, é criado um universo jurídico particular entre vigências legais e efeitos extemporâneos de forma a contemplar situações concretas e atender legítimos direitos de administrados que viram-se atingidos pela decisão judicial.

É possível, assim, afirmar que parte dos casos está respaldada pela decisão judicial a continuar, em consonância com a legalidade estrita pretendida pelo Poder Judiciário e parte dos casos, se assim pretender agir, na vigência das leis anteriores, estarão em dissonância com o sistema jurídico e, portanto, eivado de ilegalidades.



Por Daniela Libório (SP)

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