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Caminhos Possíveis para Novas Formas de Financiamento e Sustentabilidade da Sociedade Civil Organizada no Brasil

ANO 2016 NUM 162
Eduardo Szazi (PR)
Doutor em Direito pela Universiteit Leiden (Países Baixos). Professor de Direito do Terceiro Setor. Advogado.


05/05/2016 | 4024 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

INTRODUÇÃO

Discorrer sobre formas de financiamento de organizações da sociedade civil é tema importante e complexo e, por isso, suscetível a apaixonadas discussões, todas, em meu entender, ancoradas em distintas visões e formações políticas da natureza e do papel do Estado e da sociedade civil.

Que o homem é animal gregário, não há dúvida. Que é dotado de inteligência capaz de organizar sua vida em comunidade e sua interação com os demais humanos e o meio ambiente, idem. Que, no campo do conhecimento humano, Ciência Jurídica e Ciência Política são ciências com regras, campos e metodologias próprias, também ninguém discute. Como organizar a vida em sociedade usando tudo isso, bem, é outra coisa; e sem consenso.

Como tenho formação jurídica e o Direito impõe direitos, obrigações e sanções para o Estado e para os indivíduos que compõem a sociedade civil, tomarei a perspectiva do Direito para explorar possíveis caminhos para inovações no financiamento e sustentabilidade das organizações da sociedade civil brasileira.

Tomando por base a Constituição, nossa lei maior, começo destacando que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Por isso, deve viver sob o império da lei e da democracia e, sendo uma democracia, sob leis definidas pelos representantes dos cidadãos. Há aqui, uma evidente circularidade: o círculo será virtuoso se bons representantes democraticamente escolhidos, aprovarem democraticamente leis que atendam aos anseios da sociedade como um todo, reforçando assim, a democracia.

No círculo virtuoso, estão presentes as três dimensões que permitem compreender a legitimidade do Estado: a norma foi feita por quem de direito, na forma direita, de acordo com regras pré-estabelecidas, e com resultado considerado correto e justo pela sociedade (FRIEDRICH. C.J. The Philosophy of Law in Historic Perspective. Chicago: University of Chicago Press, 1958). Aqui, o Estado está a serviço da sociedade civil. Se isso não funciona bem, temos um círculo vicioso em que a sociedade civil passa a servir ao Estado: os representantes da sociedade, ainda que democraticamente escolhidos, não se preocupam com seus interesses, mudam ou desrespeitam as regras a todo tempo e, com isso, entregam resultados que não são considerados corretos e justos pelos governados, gerando uma crise de legitimidade que, no limite, causa o rompimento institucional, como se observa na história das revoluções.

Feitas essas considerações, pontuo o caminho para o financiamento das organizações da sociedade civil: ele deve vir da sociedade civil. Por quê? Explico.

SOCIEDADE CIVIL, LEGITIMIDADE E INTERESSE PÚBLICO

Sob uma perspectiva estritamente legal, a ideia fundamental de legitimidade esteve historicamente centrada na figura do Estado e na justificação de sua autoridade, ou seja, na sua capacidade de estabelecer regras vinculantes e que serão obedecidas e tornarão vinculantes as decisões tomadas (SZAZI, E. NGOs: Legitimate Subjects of International Law. Leiden: Leiden University Press, 2012).

Legitimidade é um elemento caro para a sociedade civil e suas organizações, frequentemente invocado quando uma decisão de Estado, ou quem a tomou ou como a tomou, não é considerada de acordo com as regras, e, acima de tudo, justa.

No modelo legislativo brasileiro de financiamento das organizações da sociedade civil, o Estado tem papel protagônico, pois os incentivos fiscais concedidos sempre passam por um “balcão de repartição pública”, seja pela aprovação de projetos ou pelo acesso aos fundos especiais criados. É assim para a cultura, o audiovisual e o esporte e para as ações de atenção à criança, ao adolescente, ao idoso, à pessoa com deficiência ou ao paciente oncológico. O “balcão” também funciona para a certificação de entidades, via declaração de utilidade pública ou qualificação como OSCIP. Na outra ponta, quando o particular quer doar recursos para uma organização da sociedade civil, ainda que sem incentivos fiscais, o “balcão” é acionado pela possível incidência de um imposto sobre as doações, que só é dispensado em algumas situações, sempre após processos administrativos.

Se o sistema de fluxo de capitais da sociedade civil para as suas organizações passa pelo crivo do “balcão”, então esse sistema depende do exercício da autoridade pelo Estado, sujeitando-se a todas as críticas sobre a legitimidade do poder decisório e, consequentemente, sobre o papel - e o poder - que esse “balcão” exerce – ou não deveria exercer - em um Estado Democrático de Direito. Afinal, o “balcão” age como filtro e direcionamento do fluxo de capitais da sociedade para as suas organizações, no que parece colocar tais organizações, e a sociedade como um todo, a serviço dos interesses e prioridades do próprio “balcão”, o Estado.

Alguns podem argumentar que os interesses do Estado são sempre públicos e, portanto, seriam suficientes para justificar sua ação em um Estado Democrático de Direito. Nem sempre, pois interesse do Estado não pode ser tomado como sinônimo de interesse público e, além disso, interesse público é maior do que interesse de Estado.

Interesse público não é definido na Constituição nem em qualquer lei, embora ele se manifeste implicitamente em várias normas, como, por exemplo, no artigo 2º II, da lei 9.784, de 29.01.1999, que, dispondo sobre o processo administrativo em âmbito federal, previu que a Administração Pública pautará sua atuação pelo critério de atendimento a fins de interesse geral. Por isso, para alguns autores, como TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, o interesse público seria um ’lugar comum’ que dispensaria definição precisa (FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Interesse Público. Revista do Ministério Público do Trabalho da 2ª. Região. São Paulo: Centro de Estudos. No 1, 1995). 

MARÇAL JUSTEN FILHO (Curso de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008) discorda dessa percepção e, embora reconhecendo não ser fácil definir interesse público, elabora raciocínio que busca fixar, pela exclusão, seus contornos. Assim, para o autor, o interesse público não se confunde com o interesse do Estado “e a maior evidência [disso] reside na existência de interesses públicos não estatais (que envolve, em especial, o chamado terceiro setor, composto por organizações não governamentais)”.

Sob outra perspectiva, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (Curso de Direito Administrativo. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008) aponta que é simplista, e, ademais, errôneo, o entendimento de que o interesse privado é sempre antagônico ao interesse público, pois, na visão do mestre, o interesse público nada mais é do que a dimensão pública dos interesses individuais. Para o autor, o interesse público não é o interesse do Estado, mas o interesse resultante do conjunto de interesses que as pessoas têm na sua qualidade de membros da sociedade. Outro não poderia ser o entendimento, pois, afinal, indivíduos podem propor Ação Popular contra ato lesivo ao patrimônio público e fundações e associações podem propor Ação Civil Pública contra danos morais ou patrimoniais causados ao meio ambiente e a qualquer outro interesse difuso, podendo fazê-lo, inclusive, contra o Estado e seus agentes.

Em uma dimensão internacional, quando a Carta da ONU foi adotada, em 1945, ela reconheceu direitos dos povos à autodeterminação e, com isso, sedimentou o caminho para a derrocada do sistema colonialista. Também, ao iniciar seu texto com o famoso preâmbulo “Nós, os povos das Nações Unidas” e determinar, no artigo 71, que o Conselho Econômico e Social deveria estabelecer arranjos consultivos com “organizações não governamentais”, reconheceu que a esfera pública era maior que a governamental e que – prestem atenção – a soberania estava nas pessoas, que podiam ser representadas tanto pelos seus governos como por outros organismos, cunhando a expressão hoje solidamente conhecida.

Dessa forma, foi um texto legal – a Carta da ONU, talvez o mais importante instrumento legal da história da Humanidade – que definiu que interesse público não era monopólio do Estado e que a sociedade civil tinha direito de agir na defesa do interesse público, que, como bem apontado pelos grandes jus-administrativistas brasileiros, não se confunde com os interesses do Estado.

Não sendo o interesse público privilégio do Estado, não cabe ao Estado criar filtros ou instrumentos de direcionamento dos recursos da sociedade civil para causas que suas próprias organizações pretendem atender. Afinal, por que câncer e não tuberculose? Por que esporte e não meio ambiente? Por que pessoa com deficiência e não analfabetos? Enfim, por que não todas elas e mais tantas outras causas de interesse público?

Desde 1989, com a queda do Muro de Berlim, a democracia eleitoral passou a ser, pela primeira vez, o regime dominante no mundo. Nesse contexto de maior participação popular nos destinos nacionais, organizações da sociedade civil assumiram papel cada vez mais relevante, em todos os países, inclusive no Brasil. A pesquisa FASFIL, do IBGE, IPEA, GIFE e ABONG, revela um vibrante e crescente setor, com 300 mil entidades, preponderantemente criadas a partir da década de 1990, quando os brasileiros reconquistaram a democracia.

Se, de um lado, são 300 mil organizações da sociedade civil, de outro, a soma das entidades que passaram pelos “balcões”, excluídas as sobreposições, muito provavelmente não chega a um décimo disso, já que nenhuma das bases de dados de proponentes de projetos ou entidades certificadas ou qualificadas supera trinta mil entidades. O filtro, portanto, funciona, e bem, contra as organizações da sociedade civil.

O entendimento do que é interesse público em um Estado Democrático de Direito nos direciona para a ampliação de oportunidades de participação da sociedade civil, e de suas organizações, na sua promoção e defesa. A percepção de legitimidade dos atos governamentais também nos coloca na mesma direção, estimulando o engajamento do indivíduo nas organizações da sociedade civil e, consequentemente, na ampliação da dimensão pública dos seus interesses individuais. Mas, se falamos na dimensão financeira de tais entendimento, percepção e engajamento, necessariamente falamos de doações.

SOCIEDADE CIVIL E DOAÇÃO

Doação, na forma da legislação civil, é o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra (Código Civil, art. 538). A voluntariedade é, portanto, elemento essencial para que exista doação. Dessa forma, quando se debatem estímulos à doação, como forma de financiamento de organizações da sociedade civil, debatem-se motivações à prática de um ato voluntário.

A motivação dos atos humanos tem sido tema recorrente de estudo da filosofia. No utilitarismo de STUART MILL, a ação ou inação é orientada para a produção da maior quantidade de bem estar, ou seja, quanto maior o benefício, tanto melhor a decisão ou ação. O utilitarismo rejeita o egoísmo, pois sustenta que uma ação só será moralmente correta se tender a promover a felicidade, sendo condenável se tender a produzir a infelicidade. Para seus adeptos, a decisão de doar a uma organização da sociedade civil depende da capacidade dessa organização entregar um benefício social, ou, trazendo a ideia para uma dimensão econômico-centrista, da capacidade de a organização entregar o maior valor social possível para cada real recebido.

Para o utilitarista, a prestação de contas e, mais ainda, de resultado, é fator essencial para motivar uma doação. Eficiência e eficácia são elementos determinantes no cálculo do utilitarista. O estímulo à transparência e ao profissionalismo na gestão da organização da sociedade civil é, portanto, ação estratégica para ampliar o volume de doações entre aqueles que agem de acordo com o princípio ético do utilitarismo, mesmo sem se dar conta disso.

A motivação de doar dos utilitaristas foi exacerbada contemporaneamente por PETER SINGER (Quanto custa salvar uma vida? Agindo agora para eliminar a pobreza mundial. São Paulo: Campus Elsevier, 2009). Para esse professor de Princeton, a existência de uma situação moralmente inaceitável cria o imperativo moral – poder-se-ia dizer, até, imperativo categórico, sob uma perspectiva Kantiana - para determinar a doação de recursos para mitigar ou eliminar aquela situação e, assim, ampliar o bem estar da sociedade. O interesse público o requer.

A exortação à doação de Peter Singer se ampara nos direitos humanos e nos princípios democráticos que regem as relações humanas contemporâneas. Se observarmos nossa Constituição, veremos que os fundamentos da dignidade da pessoa humana e da cidadania, trazidos no artigo 1º, ou mesmo o objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária, capaz de erradicar a pobreza e a marginalização, previsto dentre os objetivos fundamentais de nossa República insculpidos no artigo 3º, amparam iniciativas de estímulo à participação de toda a sociedade civil na construção democrática de nosso país.

Assim, quando se debatem estímulos à doação para organizações da sociedade civil, debatem-se, em certa medida, motivações à adesão da própria sociedade civil aos objetivos fundamentais de nossa República.

Além do civismo, outro fator que deve ser necessariamente considerado no estudo de caminhos para o financiamento de organizações da sociedade civil é o papel da religião na adesão a tais objetivos fundamentais, de inequívoco interesse público.

Na tradição judaico-cristã, a doação é prática esperada do bom cumpridor de seus deveres religiosos. O dízimo é exigido pela lei de Deus, que determina que todos os israelitas devem dar ao Tabernáculo (Templo) dez por cento de todo o fruto de seu trabalho e de tudo o que criarem (Levítico 27:30; Números 18:26; Deuteronômio 14:22; II Crônicas 31:5; Malaquias 3:8-10). A prática do dízimo foi incorporada ao Cristianismo, sendo particularmente forte nas igrejas evangélicas e neopentecostais, embora não exista, no Novo Testamento, qualquer obrigação percentual: “Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria” (II Coríntios 9:7).

Na dimensão religiosa, portanto, a doação não é um ato voluntário, mas um dever de Fé. O estímulo à cultura de doação é diretamente associado ao proselitismo religioso. O bom fiel deve doar regularmente, mas, como dito, ele não o faz sob a ótica do cálculo utilitário de Stuart Mill, ou mesmo por conta do imperativo ético de Peter Singer, o faz porque Deus assim o determinou.

A laicidade do Estado brasileiro aparentemente impede a criação de incentivos fiscais para doações a igrejas e templos de qualquer culto, embora a prática governamental seja outra. Uma rápida pesquisa online à base de dados do Ministério da Justiça aponta a outorga do título de utilidade pública federal, que tem incentivos fiscais associados, a, pelo menos, noventa e oito centros espíritas; setenta e sete congregações religiosas; oito ordens religiosas; seis mosteiros; uma igreja evangélica; um templo e uma igreja oriental, a Seicho-no-ie do Brasil, muitas delas classificadas na categoria ‘religiosa’ pelo Ministério da Justiça.

Filosofia e religião à parte, como os Estados laicos estimulam as doações para organizações da sociedade civil? Com incentivos fiscais, como ora passo a expor.

INCENTIVOS FISCAIS PARA A DOAÇÃO

Incentivos fiscais são instrumentos de política econômica por meio do qual o Estado abre mão de parte de sua arrecadação para estimular o investimento privado em atividade ou território que julga importante, mas que não tem atrativos suficientes para atrair tal investimento no montante ou tempo esperado pelo agente público sem o estímulo concedido.

De acordo com a publicação Draft principles to enhance the transparency and governance of tax incentives for investment in developing countries da OCDE, pesquisa com investidores indicou que incentivos fiscais nunca estiveram entre os três fatores principais de motivação de investimento na África Central e Ocidental, só alcançando tal importância em quatro de quinze países da América Latina e Caribe. Apesar de sua ampla utilização para atração de investimentos, crítica recorrente destaca a ausência de análise satisfatória dos custos e benefícios no contexto nacional que permita uma decisão informada dos agentes governamentais.

No Brasil, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101, de 04.05.2000) propõe-se a evitar esse tipo de crítica ao estipular que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita.

Dispõe, ainda, a LC 101 (art. 14) que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

(i)                  Demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

(ii)                Estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Se, de um lado, a lei determina o atendimento desses critérios, de outro, não fixa a forma de concessão de incentivos fiscais, que, no que concerne às organizações da sociedade civil, costuma se dar sob duas formas:

A primeira e mais comum, assemelhada ao tradicional modelo brasileiro de doação a fundos e projetos incentivados, prevê que o doador efetue a doação diretamente à OSC e deduza posteriormente o valor doado, de seu imposto de renda a pagar, em uma modalidade de “crédito fiscal”, ou da base de cálculo do imposto, em uma modalidade de “despesa dedutível”.

A segunda não prevê o relacionamento direto doador-donatário, mas sim a ordem do doador ao Fisco para que este repasse à OSC escolhida parte do imposto de renda devido pelo doador. É verificado nas conhecidas Leis de 1% introduzidas no Leste Europeu após a redemocratização. Chamamos esta modalidade de “repasse fiscal” e só recentemente foi adotado no Brasil, ainda que de forma transitória, quando a lei 12.594, de 2012, possibilitou a doação de indivíduos aos fundos da infância e adolescência no próprio ano de entrega da declaração de imposto de renda.

A legislação dos EUA encoraja a doação a organizações da sociedade civil sendo os indivíduos e empresas elegíveis para significativos incentivos fiscais, que variam de acordo com a categoria fiscal da entidade beneficiada e a natureza do bem que está sendo doado. Usualmente, os incentivos fiscais são mais altos para as doações de indivíduos às entidades beneficentes do que às fundações privadas. Regra geral, o montante da dedução fiscal do imposto de renda (income tax) pode chegar a 50% da renda bruta do doador, sendo reduzido a 30% ou 20% em algumas circunstâncias exemplificadas em tabela anexa. Qualquer valor excedendo o limite pode ser carregado para dedução nos cinco anos subsequentes. Estes limites, por se referirem ao imposto de renda, dizem respeito a doações feitas em vida. Para as doações efetuadas pós-morte, por ato testamentário, não há limite para a dedução do imposto de heranças (estate tax).  Para as empresas, a doação é dedutível até 10% do rendimento tributável no ano, podendo o excedente ser carregado para os cinco anos subsequentes. Doações em bens podem ser dedutíveis pelo seu valor de mercado.

Parece-nos inequívoco que o modelo norte-americano privilegia a doação de indivíduos, expressando, assim, o caráter associativista daquela nação, tão bem descrito por Tocqueville em De la démocratie em Amérique (1835). De outra parte, parece expressar o pensamento econômico de Milton Friedman, feroz crítico da prática de doações corporativas desde que, em 1970, publicou seu famoso artigo no The New York Times em que sustentou que a responsabilidade social das empresas é aumentar os seus lucros, para que possam ser distribuídos aos seus acionistas, para que estes pratiquem a filantropia.

Na União Europeia não há um padrão único para a concessão de incentivos fiscais para que indivíduos e pessoas jurídicas doem a organizações da sociedade civil, embora a maioria dos países adote a modalidade de “despesa dedutível”. Como regra geral, somente a Finlândia e a Suécia não oferecem incentivos fiscais para doações feitas por indivíduos, enquanto que, para as corporações, somente a Suécia não oferece incentivo. As doações em dinheiro são genericamente incentivadas, mas há restrições para doações em bens, que não gozam de incentivos fiscais na Dinamarca, Finlândia, Grécia, Irlanda e Suécia e têm algumas restrições na Áustria, Bélgica, Itália, Espanha e Reino Unido. Em alguns países, a entidade donatária paga imposto sobre a doação recebida (como o ITCMD brasileiro). É o caso da Áustria, Bélgica, Luxemburgo e Holanda.

A chamada “Lei do 1%”, que tem crescido nos países do Leste Europeu (Hungria e Bulgária) com estímulo do International Center of Not-for-profit Law, adota o modelo de “repasse fiscal”, pois prevê que o doador tenha o direito de destinar 1% do seu imposto de renda devido a uma OSC de sua escolha, incumbindo à autoridade fiscal fazer a transferência financeira.

No Brasil, a eliminação da dedutibilidade fiscal de doações para organizações da sociedade civil pela lei 9.250, em 1995, destoou da prática virtualmente uniforme das democracias consolidadas, que reconhecem a importância das doações de indivíduos para organizações da sociedade civil.

CONCLUSÃO

O modelo brasileiro exacerba o financiamento corporativo e estatal das organizações da sociedade civil, e, assim, reitera o caráter centralizador e clientelista do patrimonialismo brasileiro e diminui a influência da sociedade civil na condução dos destinos do país, como bem retratado por RAYMUNDO FAORO (Os donos do poder. Rio de Janeiro: Globo, 2012).

Se, para Faoro, o povo brasileiro é dotado de veemente inatividade na esfera pública e sempre dependente da atuação estatal em sua vida privada, a sociedade civil só será protagonista na esfera pública se organizações da sociedade civil forem fortes e capazes de atuar na esfera pública, e essas só serão fortes e capazes se tiverem raízes econômicas na sociedade civil.

Incentivos fiscais para doações diretas de indivíduos a organizações da sociedade civil expressam, portanto, valores republicanos. Por isso, entendo que o atual sistema de incentivos fiscais deve ser reformulado para permitir que indivíduos possam efetuar doações diretas a organizações da sociedade civil, sem depender de projetos ou fundos, que sempre se sujeitam a práticas clientelistas de ‘assessoria’ e ‘priorização’ para aprovação de projetos, não poucas vezes dando azo à corrupção e, sempre, restringindo a dimensão do interesse público aos interesses do Estado, ou, pior, do governante da ocasião.



Por Eduardo Szazi (PR)

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