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Discutindo a MP 727 (Programa de Parceiras de Investimento): crítica ao fim do convite qualificado

ANO 2016 NUM 251
Fernando Vernalha Guimarães (PR)
Mestre e Doutor em Direito do Estado pela UFPR. Professor de Direito Administrativo de diversas Instituições. Advogado.


06/09/2016 | 3707 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

O texto-base da Medida Provisória 727/2016, que criou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), foi aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados na última terça-feira, dia 30 de agosto. Restou excluída do texto do projeto de conversão do Senador Wilder Morais a previsão da modalidade licitatória chamada de convite qualificado. A nova modalidade havia sido incluída no texto da MP pelo Congresso Nacional, como proposta de alteração da Lei 8.666/93, com a finalidade de regular a hipótese de contratação de estudos e projetos pelo Fundo de Apoio à Estruturação de Projetos (Faep).

A MP autorizou a criação do Faep, com objetivo de estruturar projetos de infraestrutura mediante contratação direta com as Administrações, mas não disciplinou a forma de contratação de consultorias técnicas de apoio. O texto votado na última terça-feira pelo Plenário da Câmara oferecia uma regulamentação para a hipótese, mediante a criação do convite qualificado, que se pretendia uma espécie de convite a ser utilizado exclusivamente para a contratação de serviços de consultoria especializada pelo Faep, independentemente do valor do contrato. O convite qualificado pressupunha a solicitação de propostas a pelo menos três consultores qualificados e previamente indicados por uma short list produzida pela autoridade competente, para serem analisados por uma comissão de notáveis, constituída por três pessoas de “elevado padrão profissional e moral”.

A ideia, com o novo convite, era disponibilizar ao Faep uma via ágil e eficaz para a aquisição de projetos, evitando-se os caminhos tortuosos da licitação convencional. Mas sua exclusão do texto final da MP recoloca o impasse de antes: sem alternativas mais eficientes para a contratação de consultores pelo Faep, o modelo simplesmente tende a não funcionar.

Lembre-se que a concepção do Faep esteve diretamente associada ao modo de elaboração e aquisição de projetos. O objetivo era ter-se um ente enxuto, sem aparelho próprio, vocacionado a buscar no mercado especializado consultorias qualificadas para entregar projetos de qualidade. E o sistema de contratação dessas consultorias sempre foi um ponto fundamental para a configuração do modelo do Faep, sob pena de se esvaziar a sua utilidade principal: gerar-se projetos com maior nível técnico e customizados por consultores especializados, algo que o modelo de licitação convencional nunca conseguiu entregar.

Afinal, a seleção de consultores para a elaboração de projetos desta natureza envolve complexidades que não são capturadas pelo roteiro burocrático e automático de uma licitação convencional. O modelo de licitação que erguemos nos últimos anos é essencialmente autômato, quase impermeável pela inteligência do gestor público. Há uma expectativa de que o aparelho da licitação gere, por si, todas as escolhas relevantes para a contratação. Mas isso nem sempre funciona, pois há espécies de serviços que demandam avaliações subjetivas e complexas. Se um modelo autômato pode funcionar adequadamente para a compra de caneta, certamente não será bem-sucedido para a aquisição de projetos complexos e dos serviços de estruturação integrada compreendidos no PPI. A ideia do convite qualificado pretendia oferecer mais realismo para a seleção desses consultores.

Lembre-se que o embrião desse formato foi o projeto de lei que pretendia criar o PPP MAIS, que acolhia a contratação (pela idealizada Estruturadora Pública Nacional) de consultores especializados pelo sistema de colação, um modelo mais flexível que a licitação convencional já testado e praticado na experiência internacional. O sistema infelizmente não foi incorporado pelo PPI, gerando-se uma lacuna que posteriormente viria a ser suprida pela proposta de criação do convite qualificado. Com eliminação desta figura, restará ao estruturador (o Faep) a utilização do ineficaz arcabouço tradicional.

A discussão em torno do convite qualificado recoloca um problema já referido no texto “Desburocratizando a licitação”, que publiquei nesta Coluna (ano 2015, número 23). Estamos, lamentavelmente, viciados num modelo de licitação nitidamente desequilibrado na relação controle/eficiência. Não enxergamos a licitação como uma ferramenta ao administrador, mas apenas como controle. E em tempos de lava-jato, o culto ao controle tende a sobrepor-se aos demais objetivos da licitação, gerando-se concepções e interpretações ineficientes (afinal, o controle necessita ser compreendido e calibrado a partir sobretudo de uma dimensão consequencialista). A radicalização dessa tendência acabará por desqualificar o controle, tornando-o um exercício de aferição da adequação de ritos e formas. Mas o que necessitamos, inversamente, é de um controle focado em resultados, que poderá ser conquistado com melhor governança nas estruturas da Administração e maior transparência sobre a produção das decisões inerentes ao processo de licitação. Intensificar o controle burocrático pode ser um caminho mais fácil, mas certamente não é o mais eficiente.

Andou mal, portanto, a Câmara dos Deputados quando excluiu do texto da MP 727 a figura do convite qualificado. Com a supressão de modo mais ágil e eficaz para processar a contratação de consultores, os benefícios esperados para o funcionamento do Faep serão neutralizados pelas ineficiências da licitação convencional. Estará em xeque, daí, uma das principais missões do PPI: a gestação de projetos de qualidade para a infraestrutura. Espero que o legislador se conscientize da necessidade de criar-se disciplina customizada e eficaz para a contratação de consultores, seja pelo Faep, no âmbito do PPI, seja pelas Administrações Públicas em geral. Que o receio exacerbado de se ampliar espaços para a corrupção não impeça os tão esperados ganhos de eficiência para a contratação administrativa.



Por Fernando Vernalha Guimarães (PR)

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