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A escolha dos árbitros e das Câmaras Arbitrais: licitar ou não?

ANO 2016 NUM 150
Flávio Amaral Garcia (RJ)
Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Professor de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas- RJ. Sócio do Escritório Juruena e Associados Advogados


21/04/2016 | 7724 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

Com o advento da Lei n° 13.129/15, que alterou a Lei n° 9.307/06, não cabe mais qualquer dúvida acerca do cabimento da utilização da arbitragem pela Administração Pública, que poderá, a teor do disposto no seu artigo 1°, § 1º, utilizar este importante mecanismo de solução de conflitos para dirimir as questões relativas aos direitos patrimoniais disponíveis.

Trata-se de um inegável avanço e uma conquista importante para viabilizar a atração de investimentos para o país, em especial no setor de infraestrutura. A arbitragem é um instrumento que concretiza a segurança jurídica, porquanto permite que o conflito seja solucionado com maior celeridade, com árbitros especializados na matéria e dotados da indispensável neutralidade e imparcialidade.

A tendência natural, superada qualquer dúvida a propósito da arbitrabilidade subjetiva, será o incremento e a previsão de cláusulas compromissórias nos contratos administrativos mais sofisticados e de maior expressão econômica, a exemplo do que já ocorre nas concessões comuns e nas parcerias público-privadas (concessão patrocinada e administrativa), considerando que as respectivas legislações setoriais já admitiam a sua utilização expressamente.

Entrando a arbitragem, como se espera, no cotidiano da Administração Pública, uma outra consequência se avizinha: o despertar dos órgãos de controle para os processos de escolha dos árbitros e das Câmaras Arbitrais e a discussão sobre a incidência ou não da licitação como o processo mais adequado para orientar a sua seleção.

Antecipa-se, desde já, a conclusão a que se pretende chegar no presente ensaio: o processo de licitação formal não é o veículo adequado para promover uma escolha eficiente da Câmara Arbitral e muito menos dos árbitros. Se caminharmos no sentido de compreender a licitação como um antecedente lógico e obrigatório destas escolhas, estaremos aniquilando, por via oblíqua, a própria arbitragem na Administração Pública e os inegáveis benefícios que dela poderão ser extraídos nas relações jurídicas administrativas.

A conclusão acima antecipada não revela qualquer desprezo ou mesmo antipatia pelo instituto da licitação e pela ideia de promover a escolha dos particulares que contratam com a Administração Pública a partir de critérios isonômicos e alicerçados no mérito da proposta mais vantajosa.

Muito ao contrário. A licitação, com todas as suas vicissitudes e problemas crônicos que decorrem da sua interpretação e aplicação por vezes disfuncional no Brasil, é instrumental ao princípio republicano e um indispensável mecanismo de zelo com a coisa pública nos Estados Democráticos de Direito.

Mas o que deve ser compreendido são alguns dogmas e crenças que, ainda que no inconsciente coletivo, costumam habitar as mentes e corações dos órgãos de controle. Dentre tantos outros, dois devem ser destacados: (i) a licitação é o único caminho para o atendimento do interesse público e as hipóteses de contratação direta devem se examinadas com desconfiança, pois presume-se maior discricionariedade na ação do gestor e, via de consequência, abertura para atos ilícitos e desvios éticos; (ii) processo seletivo e de escolha administrativa é sinônimo de licitação formal regida pela Lei nº 8.666/93.

Ambas são generalizações equivocadas que acarretam inúmeros problemas na compreensão das questões que, diuturnamente, desafiam os operadores do Direito Público no país.

Sob o ângulo do atendimento do interesse público, a licitação é meio e não fim.  Não pode ser interpretada ou indevidamente estendida como um dever universal e única salvação para inibir ilicitudes. Existem situações nas quais realizar licitação será um desserviço ao interesse público. Não se trata de retórica vazia, mas de previsão expressa na Constituição Federal e na Lei nº 8.666/93, que delimitou as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação.

A ninguém é dado desconsiderar esta realidade fática e normativa. Mas o dado concreto é que o gestor costumeiramente se sente mais “seguro” quando contrata pela via da licitação, eis que minora os riscos de futuras responsabilizações junto aos órgãos de controle, o que, a depender da situação, assegura-lhe tranquilidade pessoal, mas desatende os princípios da eficiência e economicidade e a própria finalidade de bem curar a coisa pública.

Por vezes, efetivar a mais eficiente contratação pública reclama uma dose de apreciação subjetiva do administrador público no processo de escolha do particular que com ela vai se relacionar. É ínsito a própria natureza e ao perfil da contratação direta uma margem de discricionariedade maior a ser conferida ao administrador, que pondera valores que não podem ser objeto de uma comparação a partir de critérios estritamente objetivos.

Conferir maior discricionariedade ao administrador nas suas escolhas é, de outro lado, uma das consequências da consensualidade, novo modelo de ação estatal que privilegia relações mais dialógicas com o administrado. Modernamente, a busca do consenso é referenciada como o meio mais legítimo de se promover a eficiência e uma moderna Administração de Resultados.

Existem múltiplas manifestações de consenso no Direito Administrativo contemporâneo que vem provocando profundas transformações no exercício das atividades administrativas, antes excessivamente hierarquizadas, imperativas e despropositadamente assimétricas e que tinham como único e exclusivo centro de gravidade o próprio Estado.

São exemplos os acordos substitutivos, os procedimentos de manifestação de interesse, os termos de ajustamento de conduta, a delação premiada, os acordos de leniência, a mediação, a conciliação e a arbitragem. Em maior ou menor grau, todos estes mecanismos consensuais do agir administrativo pressupõe maior discricionariedade para o gestor público, o que implica, por exemplo, em negociar, ceder e transigir.

Mesmo os órgãos de controle vêm aquiescendo favoravelmente a estas distintas manifestações de consensualidade, placitando a necessária discricionariedade administrativa para que sejam alcançados resultados mais eficientes e legítimos na ação dos gestores. Mas quando se trata de discricionariedade que envolva o afastamento da licitação e a escolha por meio de contratação direta, não se descartam interpretações mais rígidas que pretendam impor o dever de licitar, ainda quando impossível estabelecer padrões comparativos e quando, pela natureza da atividade, a escolha deva desvelar um maior conteúdo de carga discricionária, o que não significa, por óbvio, que tais escolhas possam ser arbitrárias e muito menos despidas de uma motivação adequada à luz do substrato fático presente.

Fixadas, então, as premissas de que a licitação não é o único veículo de atendimento ao interesse público e que um Estado mais consensual é, naturalmente, um Estado com maior carga de discrição administrativa, passa-se ao exame da escolha dos árbitros e da Câmaras Arbitrais.

Com efeito, a indicação de um árbitro é um passo decisivo para o êxito em qualquer processo arbitral, seja público ou privado. O sucesso da arbitragem depende da qualidade dos árbitros, que devem, dentre outros atributos, possuir experiência, conhecimento técnico na matéria arbitrada, idoneidade moral e elevados padrões éticos, não apresentando qualquer tipo de impedimento que possa macular a sua neutralidade e imparcialidade no julgamento da questão.

Para além do conhecimento técnico que o árbitro deve possuir na matéria arbitrável, dois aspectos positivos devem, ainda, ser destacados: (i) a possibilidade de as partes indicarem o árbitro, ou seja, a escolha do julgador a partir da sua qualificação profissional; (ii) a circunstância de que o árbitro, via de regra, não tem a quantidade de processos atribuídos a um juiz, o que permite conferir maior celeridade na solução do litígio.

Não obstante existam distintas formas e métodos de indicação dos árbitros, é possível asseverar que a forma mais tradicional e conhecida no processo de escolha dos árbitros é a indicação de um árbitro por cada parte e, em seguida, os dois eleitos e aceitos sem objeção escolhem o terceiro.

Em sendo definida a opção pela arbitragem institucional, que é, sem dúvida, a mais recomendada para a Administração Pública, os árbitros integram listas das instituições (Câmaras Arbitrais). A arbitragem institucional é aquela instalada perante uma Câmara Arbitral, o que pressupõe aderir ao seu regulamento, contar com o apoio administrativo e escolher os árbitros que a ela se vinculam. A outra forma é a arbitragem ad hoc, na qual as partes escolhem os árbitros e definem as regras que nortearão o procedimento.

Quando uma da partes é a Administração Pública, o processo de escolha do árbitro deverá levar em consideração uma avaliação com inegável dose de discricionariedade e subjetividade, o que tornaria rigorosamente inviável a realização de uma licitação formal. Os resultados seriam simplesmente desastrosos, porquanto escolhas lastreadas na confiança não se amoldam a processos seletivos formais, que pressupõe padrões comparativos dotados de um mínimo de objetividade.

Bem vistas as coisas, nas licitações são os particulares que manifestam interesse em contratar com a Administração Pública. Seria razoável imaginar um edital de licitação para que os árbitros fossem escolhidos? Quais seriam os critérios de escolha? Haveria interesse dos árbitros em participar de processos desta natureza?

Parece cristalino que os processos licitatórios são rigorosamente incompatíveis com escolhas norteadas por critérios ancorados na confiança, não podendo o interesse público ficar refém de um processo no qual os árbitros supostamente acudiriam interesse em participar.

Enfim, a escolha é discricionária mas devidamente motivada, a partir, preferencialmente, de parâmetros previamente fixados nos respectivos atos normativos dos entes públicos, com a indicação das razões de qualificação daquele profissional e da conexão das suas características com o perfil e natureza do litígio instaurado.

Sequencialmente, poder-se-ia dizer que se trata de inequívoca hipótese de inexigibilidade, seja pela absoluta inviabilidade de competição (art. 25, caput, da Lei nº 8.666/93), ou por notória especialização, (art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93), dada a singularidade do objeto e os próprios atributos personalíssimos do árbitro e o seu conhecimento especializado na matéria.

Mas há uma indagação que precede a definição de uma suposta inexigibilidade de licitação na escolha do árbitro. A escolha do árbitro constitui uma relação de índole contratual com o ente público, a sujeitar-se ao regramento da Lei nº 8.666/93?

A resposta parece ser negativa. Conforme anotado por MARÇAL JUSTEN FILHO (Administração Pública e Arbitragem: o vínculo com a Câmara Arbitral e os Árbitros, artigo que se encontra no prelo e a ser publicado na Revista Brasileira de Advocacia), a escolha do árbitro não ostenta natureza contratual, porquanto a sua natureza pressupõe o exercício de uma função jurisdicional. No estudo sobre o tema, o renomado administrativista sustenta, com razão, que esta escolha se configura um ato jurídico unilateral de cunho discricionário.

Ao contrário do que ocorre, por exemplo, na contratação de um assistente técnico, de um perito ou mesmo de um leiloeiro, que prestam serviços para a Administração Pública, o árbitro, a despeito de ser indicado pelo ente público, não tem qualquer compromisso em sustentar a tese da parte que o indicou.  A sua função é jurisdicional, ainda que não estatal, não se estabelecendo qualquer relação de comutatividade que sinalize para um contrato administrativo a ser celebrado com a Administração Pública.

Em sendo uma função jurisdicional, o seu compromisso é solucionar o litígio da melhor forma possível, sem qualquer aproximação em atender ao interesse da parte que o indicou, o que torna o exercício do seu mister totalmente estranho aos lindes dos contratos de prestação de serviços disciplinados na Lei nº 8.666/93. 

Não sendo contrato administrativo, não há que se cogitar de sujeição à Lei nº 8.666/93 ou mesmo de qualquer hipótese de contratação direta, já que este diploma legal regula as situações de contratação pública, o que, como visto, não é o caso da relação que se instaura com o árbitro. 

Com evidente tendência de contratualização, o Decreto nº 8.465/2015 - que dispôs sobre os critérios de arbitragem para dirimir litígios no âmbito do setor portuário - estabeleceu no seu artigo 7º, § 3º, que a escolha do árbitro ou de instituição arbitral será considerada contratação direta por inexigibilidade de licitação, devendo ser observadas as normas pertinentes. 

Considerando o arrematado absurdo que seria licitar a contratação de árbitro, é bem provável que a inexigibilidade se delineará como a solução pragmática que prevalecerá nas futuras indicações de árbitro, o que, contudo, revela um grave equívoco conceitual, porquanto contratualiza uma relação de índole jurisdicional, ainda que não estatal, na qual a escolha é determinada em ato unilateral da Administração Pública, como demonstrou pioneiramente MARÇAL JUSTEN FILHO no estudo acima referido.

Diverso é o enfoque a propósito da contratação da Câmara Arbitral. Nos casos em que a arbitragem institucional prevalecer, será necessário ter o apoio administrativo de uma Câmara Arbitral que possa dar suporte administrativo na condução do processo arbitral, além do próprio regulamento que orientará as regras do processo arbitral.

Aqui, ao contrário do que ocorre com a escolha dos árbitros, identifica-se uma prestação de serviços, porquanto a Câmara Arbitral se relaciona com as partes oferecendo um conjunto de serviços que envolvem desde o apoio administrativo até a disponibilização das regras e procedimentos. GUSTAVO FERNANDES DE ANDRADE (Arbitragem e Administração Pública: Da Hostilidade à Gradual Aceitação in A Reforma da Arbitragem. Organizadores: Leonardo de Campos Melo e Renato Beneduzi. Forense: Rio de Janeiro, 2016, no prelo) esclarece que as Câmaras Arbitrais não exercem qualquer função judicante, o que torna a sua situação jurídica completamente distinta do exercício jurisdicional não estatal cometido aos árbitros.

Em sendo a relação que se forma com a Administração Pública de índole contratual, é preciso avançar para saber se o contrato é administrativo (com a presença das cláusulas exorbitantes) ou se trata de um contrato da Administração (quando prevalece a horizontalidade entre as partes, com derrogações apenas formais para adequação do regime de direito público).

Não se vislumbra nenhuma razão para categorizar esta relação como sendo um contrato administrativo típico. Falece qualquer fundamento de interesse público que justifique a presença de cláusulas como a alteração unilateral do contrato ou mesmo aplicações unilaterais de sanções administrativas. A Administração Pública é uma contratante como outra qualquer, não havendo razão fática para desequilibrar esta relação. É o que ocorre com vários contratos celebrados por entes públicos em absoluta igualdade de condições com o particular, tal qual ocorre, por exemplo, com os contratos de locação, leasing e outros ajustes explicitados no artigo 62, § 3º da Lei nº 8.666/93, cujo conteúdo é regido, predominantemente, por normas de Direito Privado.

Eventual entendimento que sinalize para o enquadramento deste contrato como sendo tipicamente administrativo, poderá acarretar o indesejável efeito de desestimular a arbitragem nas relações contratuais públicas, afastando o interesse das Câmaras Arbitrais em atuar junto aos entes públicos.

Avançando na compreensão do tema, não se identifica que a licitação seja o mecanismo apropriado para a contratação das Câmaras. Arbitragem pressupõe celeridade. A partida, paralisar o processo arbitral para promover o processo de licitação formal, parece contrariar a dinâmica da própria arbitragem.

Ademais, como escolher Câmaras a partir de critérios objetivos? Seria uma licitação por menor preço ou por melhor técnica ou técnica e preço? Licitar pressupõe uma ideia central de fixar critérios que permitam estabelecer parâmetros de competição que sejam objetivamente aferíveis.

Não se identifica que isto seja possível na escolha das Câmaras Arbitrais, sendo necessário reconhecer a existência de margens de discrição administrativa que deverão ser conferidas aos gestores no processo de escolha. Recomendável que os parâmetros estejam previamente definidos nos atos normativos dos entes públicos e devidamente motivados em cada caso concreto.

A hipótese aqui se afeiçoa a uma inexigibilidade de licitação, a levar em consideração, dentre outros fatores,  a tradição e respeitabilidade da Câmara Arbitral, a sua especialização, a lista dos árbitros disponíveis, a qualidade do seu Regulamento, os custos do processo, a localização da sede e outros critérios ou parâmetros que venham a ser fixados nos respectivos atos normativos.

Não parece que o credenciamento seja uma boa solução para este tipo de contratação. Oportuno lembrar que o credenciamento se destina para aquelas hipóteses nas quais o interesse público será atendido por mais de um prestador. Para tanto, cabe aos interessados se credenciarem perante à Administração, o que depende de um Regulamento editado previamente pelo ente público, com a fixação de requisitos mínimos que deverão ser observados pelos particulares interessados em acudirem nas futuras contratações.

Ao revés, a escolha da Câmara Arbitral pressupõe o atendimento do interesse público por apenas um particular naquela específica arbitragem a ser instaurada e não por vários prestadores, como ocorre no credenciamento.

Ademais, no credenciamento as Câmaras Arbitrais é que deverão tomar a iniciativa de se apresentar perante os entes públicos para demonstrar que atendem aos requisitos que foram fixados no Regulamento. Transferir esta iniciativa para as Câmaras Arbitrais pode afastar instituições internacionais ou mesmo outras mais renomadas que, eventualmente, não se interessem em tomar a iniciativa de demonstrar que atendem aos requisitos a serem fixados por cada ente público. Essa circunstância específica pode afastar excelentes opções e alternativas, restringindo indevidamente o universo de Câmaras Arbitrais.

Todavia, poder-se-ia cogitar da mesma racionalidade do credenciamento sem a necessidade da aquiescência ou iniciativa partir da Câmara Arbitral. Explica-se: seria a fixação pela Administração, em ato normativo próprio, dos parâmetros mínimos que considera indispensável que uma Câmara apresente, delimitando uma listagem apenas daquelas que atendessem a tais requisitos e circunscrevendo as hipóteses de futuras contratações por inexigibilidade (possivelmente com fundamento na notória especialização) apenas àquelas que preenchessem as exigências mínimas, mas sem a obrigatoriedade de aquiescência prévia da Câmara. Seria uma listagem interna. Tudo com a devida publicidade, divulgação e transparência. 

Ainda assim, seria fundamental definir o momento da escolha da Câmara Arbitral e como esta decisão se processa, a saber, unilateralmente ou consensualmente com o contratado participando da escolha.  Existem diversas alternativas que podem ser cogitadas e que devem ser disciplinadas nos respectivos atos normativos dos entes públicos e nas próprias cláusulas compromissórias.

A escolha da Câmara Arbitral e a sua definição na cláusula compromissória, antes mesmo que o litígio se instaure, pode ser uma solução viável e mais pragmática e célere. Nesta hipótese, o processo decisório é reservado à Administração Pública, porquanto o particular contratado não participa ativamente da escolha.

Claro que, no momento da licitação, qualquer participante poderá impugnar a cláusula compromissória e a definição prévia da Câmara Arbitral, exigindo a demonstração das razões que levaram a esta escolha. É direito subjetivo dos licitantes conhecer os critérios que orientaram este processo de escolha. Possivelmente, eventual impugnação apenas ocorrerá no caso dos licitantes entenderem inadequada a opção por determinada instituição, seja pelo custo, pela qualidade do Regulamento, pela especialização ou mesmo pelos árbitros disponíveis.  Mas uma vez assinado o contrato, com a cláusula compromissória definindo a Câmara Arbitral, presume-se a concordância do contratado.

Muito embora não se vislumbre qualquer vício ou defeito jurídico na solução acima cogitada, parece mais consentâneo com o instituto da arbitragem que a escolha da Câmara Arbitral ocorra consensualmente e quando da ocorrência do litígio.

Duas razões explicam o posicionamento adotado: a primeira é que sendo a arbitragem um mecanismo concretizador da consensualidade, a definição da Câmara Arbitral deve ser, preferencialmente, objeto de uma decisão negociada entre as partes e não, a priori, definida de início no contrato. A segunda é que, uma vez ocorrido o litígio, as partes disporão de  mais elementos para a escolha da Câmara, podendo avaliar, considerando os dados concretos, qual é a melhor opção que se desvela na hipótese.

Para a escolha consensual da Câmara, propõe-se a seguinte metodologia: as partes disporiam de um prazo fixado contratualmente para, em conjunto, definirem de comum acordo a Câmara Arbitral. A escolha seria fundamentalmente consensual.

Mas se as partes, no prazo contratualmente estabelecido, não chegassem a um acordo, o ente público, a partir da listagem previamente concebida das instituições que atendem aos requisitos fixados em seu ato normativo, indicaria três Câmaras Arbitrais para que o contratado escolhesse uma. O contrário também seria admitido, ou seja, o particular escolhe três Câmaras Arbitrais dentre as que atendem ao requisito da listagem e o ente público indica uma entre as três. Tudo a depender da disciplina nos atos normativos de cada ente.

Assim, ainda que não a partir de uma decisão inteiramente consensual, cada parte exercitaria o seu poder de escolha e manifestaria a sua vontade no processo de definição da instituição a ser eleita.

Caberá a cada ente público, nos seus respectivos atos normativos próprios e nas cláusulas compromissórias, definirem os requisitos, parâmetros, métodos e processos de escolha, conformando previamente a discricionariedade do gestor. Mencione-se o exemplo de Minas Gerais, que trata da matéria na pioneira Lei Estadual n.º 19.477/11.

Pode-se cogitar que estes atos normativos sejam submetidos à prévia consulta pública, permitindo que os interessados (sociedades empresárias, cidadãos, Câmaras Arbitrais e órgãos de controle) ofereçam sugestões para o seu aperfeiçoamento. Afinal, se a arbitragem é um mecanismo de consensualidade, é razoável e coerente que esta saudável relação dialógica seja instaurada ouvindo os interessados e não imposta unilateralmente no seio interno da Administração Pública. Com certeza, os atos normativos serão acrescidos de legitimidade, podendo receber importantes contribuições externas, como, de resto, ocorre nos processos hodiernos de audiência e consulta pública.

Enfim, espera-se que a arbitragem entre em definitivo na órbita dos negócios públicos no país e que as suas virtudes e vantagens beneficiem as relações administrativas, conferindo maior segurança jurídica aos investimentos, o que será vantajoso para o próprio interesse público. 

Mas, para tanto, é indispensável que o processo de contratação dos árbitros e das Câmaras Arbitrais não seja impregnado pela crença de que a licitação é a salvação, estendendo o dever de licitar para situações que, evidentemente, não se afeiçoam aos seus pressupostos.

Consensualidade pressupõe discricionariedade. Discricionariedade pressupõe razoabilidade, transparência e motivação. Não devemos temer estas ideias, mas conformá-las com equilíbrio e moderação. O desafio está posto...



Por Flávio Amaral Garcia (RJ)

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