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A lei complementar n. 157 de 2016: um passo para minimizar a malfadada guerra fiscal no país

ANO 2017 NUM 340
João Paulo Fanucchi de Almeida Melo (MG)
Professor de Direito Tributário da Pós-Graduação e Graduação da PUC - Minas e Professor da Pós-Graduação do IDDE. Doutorando e Mestre em Direito Público pela PUC- Minas. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/MG. Diretor da ABRADT, IEFi e IAMG. Ex-Conselheiro do CART/BH. Advogado Sócio da Almeida Melo Sociedade de Advogados.


22/03/2017 | 3438 pessoas já leram esta coluna. | 8 usuário(s) ON-line nesta página

No Brasil, o Estado Federal surgiu pela primeira vez na Constituição Republicana de 1891, afastando a característica de Estado Unitário que predominou nos períodos de Colônia e Império do País. Essa nova forma de Estado visava à criação de mais de um centro de poder sobre a mesma população e o mesmo território.

Como pressuposto, o federalismo é criado, então, como um pacto, união, alianças criadas entre os estados e se deu por segregação, uma vez que o poder central, comum do Estado unitário, se deu pela repartição em outros entes, também chamado de movimento centrífugo.

Reconhecido o federalismo brasileiro, foi necessário também distribuir a competências e dar autonomia organizatória, legislativa, de governo e administrativa aos entes. Contudo, apesar da repartição de competências, ainda é predominante a concentração de competência no poder da União.

O Brasil, enquanto Estado Tributário, cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por tributos, pode ser enquadrado também como Estado Redistribuidor Solidário – terminologia adotada por Onofre Alves Batista Júnior, no livro O outro leviatã e a corrida ao fundo do poço –, objetivando a justiça social.

A arrecadação tributária num país como o Brasil é essencial, pois os sem ela, as finalidades do interesse público e o custeio do bem social constitucionalmente previsto não seriam alcançadas.

À luz deste federalismo em contraponto ao Estado Unitário e somado aos desenvolvimentos social e econômico, passa a ficar mais evidente a exteriorização de competitividade entre os entes federados.

Levando em conta a CRFB/88 e realidade dos últimos quase trinta anos, é nítido contrassenso no atual federalismo brasileiro, na medida em que as receitas dos entes federados são desproporcionais às suas competências e atribuições constitucionais.

Embora sejam os Municípios e os Estados que estão mais próximos do cidadão e, assim, assumam até mesmo por força constitucional grandes responsabilidades e funções na implementação do bem comum, está concentrada na União aproximadamente 70% da arrecadação tributária do País.

Dessa forma, até mesmo os Estados e Municípios mais ‘ricos’ precisam se valer politicamente das benesses da União visando alcançar recursos, tendo em vista que a arrecadação é insuficiente para efetivar no mundo real tudo aquilo que a Constituição atribuiu como de suas responsabilidades. O que se vê, na verdade, é uma autonomia financeira “fictícia” dos Estados e Municípios, não efetiva na prática.

Dentre outras, essa situação faz exsurgir à guerra fiscal, na busca pela supressão do estado de necessidade que os Municípios e Estados ficam em virtude da má distribuição da arrecadação tributária.

Além da notória injustiça na repartição de receitas pela centralização da arrecadação em torno da União, o critério utilizado na distribuição das receitas não era o da necessidade, mas sim, objeto de barganha política. Nesse cenário, os Estados e Municípios criam mecanismos através da cobrança dos impostos que são de sua competência para tentar equilibrar a balança.

Nesse momento, a intenção precípua do federalismo de colaboração e colisão é esquecida e cada um dos entes passa a implantar políticas de incentivos fiscais para atrair o capital para seu território, como são exemplos o ICMS (estadual) e o ISS (municipal).

Embora existam normas impeditivas de benefícios ficais unilaterais, que visam a assegurar o princípio federativo, o descumprimento desses preceitos, em regra, não acarreta sanções negativas, por se tratarem de normas jurídicas impróprias.

Ao adotar mecanismos de atração do capital para seu território de modo a aumentar a tributação incidente, e por conseqüência, a receita arrecadada, os Municípios, assim como os Estados passam a concorrer entre si nas medidas de incentivo para que as empresas se instalem em seu território, no exercício de sua competência tributária ativa.

Nessa briga de quem dá mais benefícios para atrair o capital, os entes criam mecanismos ardilosos para diminuir a tributação como isenções, redução de base de cálculo e concessão de créditos presumidos. Os incentivos podem ser outros que transcendem a tributação, como, por exemplo, o direito de uso de imóveis públicos por anos ou décadas e, até mesmo, a doação de imóveis.

Assim, legitimamente visando reduzir o seu custo, o empresário vai para onde pagará menos tributos, pois o capitalista mira o aumento da margem de lucro.

A propósito, segundo levantamentos do IBGE (2008): a) metade dos 5.507 municípios existentes no País adotava algum mecanismo de incentivo fiscal; b) há a concentração de incentivos nos municípios das regiões Sudeste e Sul; c) os municípios com mais de 500 mil habitantes e também os de 50 a 100 mil habitantes são os que mais oferecem incentivos; d) no que diz respeito aos mecanismos fiscais, a isenção de ISS (Imposto Sobre Serviços) foi a que mais ocorreu, junto com a isenção parcial do IPTU;

É uma verdadeira “guerra fiscal” vivenciada, o que demonstra verdadeiro rompimento com o pacto federativo.

Destaque-se, ainda o item “b” mencionado no parágrafo acima. Os incentivos fiscais estão mais presentes nos Municípios do Sul e Sudeste do País, o que demonstra, ainda com maior intensidade, verdadeira violação ao preceito constitucional que busca o equilíbrio regional. Este tipo de postura aumenta ainda mais a desigualdade regional e concentração de riqueza nos Estados e Municípios que são historicamente mais abastados.

Em outras oportunidades que manifestei sobre o tema, em sala de aula e palestras, um dos pontos que levantava como empecilho para pôr fim à guerra fiscal era o da inexistência de sanções negativas ou punitivas. O ato que concedia benefício fiscal poderia ser declarado inconstitucional e/ou ilegal na hipótese de provocação judicial. No entanto, inexistiam maiores consequências jurídicas, especialmente para os agentes públicos que fosse o autor do ato. Apontava a necessidade de lei punir o autor do ato inconstitucional.

 Pois bem.

Em 29 de dezembro de 2016, foi sancionada, com alguns vetos, o Projeto de Lei nº 386 que reforma a Lei Complementar nº 116 de 31/07/2003 que dispõe sobre o Imposto sobre Serviços de qualquer natureza.

Dentre as diversas alterações que a Lei Complementar nº 157 de 29/12/2016, que entrou em vigor já em 30/12/2016, estão à fixação de alíquota em no mínimo 2%, a inclusão de vários serviços que podem ser tributados pelo ISS.

No entanto, deve-se destacar que a LC nº 157 de 2016 proíbe a concessão de isenções, incentivos e benefícios tributários ou financeiros, além da redução da base de cálculo ou crédito presumido ou qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima. Inclusive, nos termos do art. 8-A da LC 116/03, “É nula a lei ou o ato do Município ou do Distrito Federal que não respeite as disposições relativas à alíquota mínima previstas neste artigo no caso de serviço prestado a tomador ou intermediário localizado em Município diverso daquele onde está localizado o prestador do serviço”.

Entretanto, a lei permitiu algumas exceções. Os municípios poderão estabelecer isenções e incentivos aos setores de construção civil, suas áreas correlatas (hidráulica, elétrica, serviços de perfuração de poços, escavação, drenagem, irrigação, terraplanagem e pavimentação), e ao transporte municipal coletivo, seja rodoviário, ferroviário, metroviário ou aquaviário.

Os municípios e o DF terão um ano, a partir da publicação da futura lei, para revogar os dispositivos que concedem as isenções.

A alteração mais relevante, na lei, seguindo o raciocínio jurídico até aqui exposto, se refere a ser ajuizada ação por improbidade administrativa contra o agente público que aplicar, mantiver ou conceder benefício financeiro ou tributário relativo ao ISS. E aí, a sanção pode ser suspensão dos direitos políticos por cinco a oito anos, multa civil de até três vezes o valor do benefício concedido ou até a de perda da função pública.

Nessa linha, não se pode olvidar que, pelas modificações trazidas pela Lei, a intenção foi realizar uma reforma para tentar diminuir a guerra fiscal entre os municípios, sendo importante passo para tanto.

No entanto, não se pode perder de vista a necessidade de colocar impeditivos ou sanções para concessão de incentivos em sentido amplo, que não se limitam aos tributos – até mesmo porque já passou da hora de analisar a questão crítica da guerra fiscal do ICMS –, o que impõe o dever de análise macro.



Por João Paulo Fanucchi de Almeida Melo (MG)

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