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Da base de cálculo do ITBI nas hipóteses de arrematação em hasta pública

ANO 2016 NUM 258
João Paulo Fanucchi de Almeida Melo (MG)
Professor de Direito Tributário da Pós-Graduação e Graduação da PUC - Minas e Professor da Pós-Graduação do IDDE. Doutorando e Mestre em Direito Público pela PUC- Minas. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/MG. Diretor da ABRADT, IEFi e IAMG. Ex-Conselheiro do CART/BH. Advogado Sócio da Almeida Melo Sociedade de Advogados.


19/09/2016 | 14906 pessoas já leram esta coluna. | 5 usuário(s) ON-line nesta página

1.      Introdução

A base de cálculo do ITBI, nos termos do art. 38 do CTN, “é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos”.

À luz da referida disposição normativa, dúvidas exsurgem na esfera judicial em casos concretos, notadamente quando se provoca o Poder Judiciário para decidir a base de cálculo nas transações de compra e venda particulares, se seria a planta de ITBI constante no Município, o valor da avaliação específica ou o valor/preço praticado entre as partes.

Outra importante discussão advém dos casos em que ocorreram arrematações em hasta pública, tratando-se de tema interessante, mas, ao mesmo tempo, pouco discutido, uma vez que, há muito, há jurisprudência consolidada nos tribunais no sentido de que a base de cálculo do imposto deve ser aquela correspondente à aquisição do bem alienado judicialmente.

Exatamente o ponto destacado no parágrafo anterior que motivou na elaboração do presente artigo. Hoje existe entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que a base de cálculo será o valor da arrematação.

Não obstante a jurisprudência dominante, o instigante tema me provocou maior reflexão quando um processo administrativo-tributário, distribuído sob o número 01. 142905.14.12, foi colocado em julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Tributários do Município – CART/BH. Na oportunidade, busquei a superabilidade da jurisprudência predominante, fui acompanhado por alguns Conselheiros e, ao final, fui designado redator do Acórdão.

2.      A jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

É fato que, conforme mencionado anteriormente, existe jurisprudência específica sobre o tema e o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, especificamente, têm entendimento consolidado no sentido de que a base de cálculo do ITBI, nas hipóteses de arrematação em hasta pública, deve ser correspondente ao valor pelo qual o imóvel foi arrematado.

A propósito, através de breve pesquisa jurisprudencial sobre o assunto, é possível constatar que, pelo menos desde 1990, o Superior Tribunal de Justiça adota o referido entendimento e que, pelo menos desde 2009, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais também se manifesta no mesmo sentido.

Além disso, por meio de um único critério de pesquisa, é possível perceber que, no mesmo sentido, existem, no STJ: pelo menos 03 (três) decisões em 2016; pelo menos 04 (quatro) decisões em 2015; pelo menos 03 (três) decisões em 2014; e pelo menos 17 (dezessete) decisões no total.

E ainda, no TJMG existem: pelo menos 03 (três) decisões em 2016; pelo menos 11 (onze) decisões em 2015; pelo menos 07 (sete) decisões em 2014; e pelo menos 39 (trinta e nove) decisões no total.

A título de ilustração, veja-se recentes julgados:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO. SÚMULAS 83 E 568/STJ.

É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a arrematação corresponde à aquisição do bem alienado judicialmente, razão pela qual a base de cálculo do ITBI é o valor alcançado na hasta pública. Incidência das Súmulas 83 e 568 do STJ. Agravo interno improvido. (STJ. AgInt no AREsp 881107 / SP. Rel. Min. Humberto Martins. Segunda Turma. Publicado em 12/05/2016).

***

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.  AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.  ITBI.  ALIENAÇÃO JUDICIAL DO IMÓVEL. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1.  O recurso especial é destinado tão somente à uniformização da interpretação do direito federal, não sendo, assim, a via adequada para a análise de eventual ofensa às disposições da legislação local (Lei Municipal 11.154/91), haja vista o óbice contido na Súmula 280/STF, in verbis: "Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário."

2.  O acórdão a quo encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que nas hipóteses de alienação judicial do imóvel, seu valor venal corresponde ao valor pelo qual foi arrematado em hasta pública, inclusive para fins de cálculo do ITBI. Precedentes:  AgRg no AREsp 630.603/PR, Rel. Ministro Sérgio kukina, Primeira Turma,  DJe  13/3/2015;  AgRg  no  AREsp  462.692/MG, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 23/9/2015; AgRg no AREsp   777.959/RS,   Rel.  Ministra  Diva  Malerbi  (Desembargadora Convocada  TRF  3ª  Região),  Segunda Turma, DJe 17/12/2015; AgRg no AREsp  348.597/MG,  Rel.  Ministro  Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 16/3/2015.

3. Agravo regimental não provido. (STJ. AgRg no AREsp 818785 / SP. Rel. Min. Benedito Gonçalves. Primeira Turma. Publicado em 13/05/2016).

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EMENTA: APELAÇÃO - MANDADO DE SEGURANÇA - BASE DE CÁLCULO - ITBI - VALOR VENAL - VALOR DA ARREMATAÇÃO DO BEM EM LEILÃO JUDICIAL - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - POSSIBILIDADE - JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA.

1 - Consoante posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e deste Egrégio Tribunal de Justiça, nas hipóteses de alienação judicial de imóvel, o valor venal corresponde ao valor da arrematação, inclusive para fins de cálculo do ITBI.

2 - O mandado de segurança impetrado com a finalidade de impugnar ato administrativo de lançamento tributário que considera como base de cálculo do imposto devido valor não condizente com a legislação, não se apresenta como substituto de ação de cobrança, sendo possível a repetição do indébito, já que a causa de pedir não consiste em fato ensejador de direito de crédito a reclamar satisfação. (TJMG. Apelação Cível 1.0024.14.014894-1/002. Rel. Des. Jair Varão. Publicado em 06/04/2016).

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EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO - APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - ITBI - IMÓVEL ADQUIRIDO EM HASTA PÚBLICA - BASE DE CÁLCULO - VALOR VENAL EQUIVALENTE AO VALOR DA ARREMATAÇÃO.

- Consoante entendimento já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, quando se tratar de bem adquirido em hasta pública a base de cálculo do Imposto sob Transmissão de Bens Imóveis é o valor da arrematação. (TJMG. Apelação Cível/Reexame Necessário 1.0024.13.333838-4/001. Rel. Des. Versianni Penna. Publicado em 18/03/2016).

Diante dos dados apresentados, não se pode olvidar que, no Judiciário, o entendimento consolidado, ressalte-se mais uma vez, é no sentido de que a base de cálculo do ITBI nas hipóteses de arrematação do bem em hasta pública deve ser correspondente ao valor pelo qual o imóvel foi arrematado.

Contudo, nota-se que, sobre o tema inexiste, até o momento, Súmula Vinculante ou decisão em sede de Recursos Repetitivos, motivo pelo qual se pretende, no presente artigo, desenvolver ônus argumentativo jurídico para buscar a superabilidade do entendimento atual.

3.      A base de cálculo do ITBI quando da arrematação em hasta pública: argumentos jurídicos para superabilidade do entendimento jurisprudencial dominante.

O que se pode verificar é que os tribunais não fundamentam o porquê da utilização do valor da arrematação, mas tão somente têm tal premissa como certa, em virtude de esta já ser utilizada há muitos anos.

Na realidade, por meio de simples pesquisa jurisprudencial, é possível notar que os precedentes são citados de forma repetida como se a premissa em análise fosse uma verdade absoluta; contudo, não há fundamentação jurídica que dê sustentáculo a esta conclusão.

Pois bem.

A base de cálculo do ITBI, conforme disposição expressa do artigo 38 do CTN, é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

Assim, o valor venal (que é o valor de mercado e que se difere de preço), a priori, é o valor da operação praticada entre as partes.

As partes ingressam numa negociação com a finalidade de não terem prejuízo. Neste sentido, o comércio é exatamente uma das formas de conciliação de interesses, em que, presumidamente, comprador e vendedor partem para praticar o justo e cada um se defende em face de eventual prejuízo. Entretanto, é evidente que se houverem abusos no caso concreto o Fisco poderá praticar o arbitramento, nos termos do art. 148 do CTN.

De toda sorte, a grande questão a ser enfrentada é a seguinte: o valor da arrematação em hasta pública serve de base de cálculo para o ITBI? Seria este o valor venal do bem?

Como se sabe, o artigo 146, III, “a”, da Constituição reservou à lei complementar a definição da base de cálculo dos tributos.

É cediço, ainda, que o Código Tributário Nacional é a lei complementar que traz tal definição em matéria tributária, conforme o denominado “princípio da recepção”, de acordo com o que preceitua o art. 34 do ADCT.

É certo que o CTN, conforme mencionado anteriormente, prevê como base de cálculo do ITBI o valor venal dos bens ou direitos transmitidos tão somente, e que o valor venal corresponde ao valor de mercado do imóvel.

A propósito, sobre o assunto, ensinamentos do professor Hugo de Brito Machado:

A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos (CTN, art. 38). Não é o preço da venda, mas o valor venal. A diferença entre preço e valor é relevante. O preço é fixado pelas partes, que em princípio são livres para contratar. O valor dos bens é determinado pelas condições do mercado. Em princípio, pela lei da oferta e da procura.

No que se refere especificamente às hipóteses de arrematação de bem em hasta pública, em relação ao ITBI, o CTN nada previu, ao contrário do que fez para outros impostos, senão veja-se.

Para o Imposto de Importação, o artigo 20 do CTN prevê que:

Art. 20. A base de cálculo do imposto é:

I - quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária;

II - quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País;

III - quando se trate de produto apreendido ou abandonado, levado a leilão, o preço da arrematação.

Do mesmo modo, para o Imposto sobre Produtos Industrializados, o artigo 47 do CTN estabelece que:

Art. 47. A base de cálculo do imposto é:

[...]

III - no caso do inciso III do artigo anterior, o preço da arrematação.

Diante dos dois exemplos citados, é possível constatar que, quando o legislador pretendeu normatizar o tema, este trouxe expressamente na lei previsão de que a base de cálculo corresponda ao preço da arrematação. No entanto, não teve a mesma tratativa quando disciplinou o ITBI.

Até por segurança jurídica - que não é tão só mandamento jurídico voltado ao contribuinte, mas ao Estado também – deve-se prestigiar, em máxima medida, a legalidade tributária. Não só a legalidade tributária, mas, especialmente, o que o Prof. Sacha Calmon denomina de “princípio da especificidade conceitual fechada” e o Prof. Casalta Nabais rotula como “determinabilidade”, por muitos conhecido como “tipicidade” ou “tipicidade cerrada tributária”, que impõe quais elementos da relação jurídica tributária devem estar previstos na lei formal e material. Logo, vem à mente o disposto no art. 97 do CTN, que, como se sabe, reserva à lei a disposição sobre a base de cálculo.

A lei complementar nacional, ao tratar da base de cálculo do ITBI, prevê tão só o valor venal como critério econômico sujeito à tributação, nada dispondo sobre o valor da arrematação no caso de hasta pública.

Portanto, em sede de conclusão, não se pode olvidar que atribuir como base de cálculo do ITBI o valor da arrematação fere a legalidade tributária. A base de cálculo do ITBI deve corresponder ao valor venal do bem, tendo em vista que esta é a previsão legal.

Propõe-se ir além e, até mesmo, enfrentar argumentos que ultrapassam a seara jurídica. Neste sentido, poder-se-ia justificar que a utilização do preço da arrematação como base de cálculo do ITBI poderia se fundamentar através de um caráter extrafiscal, na medida em que se reduziria o imposto para facilitar a arrematação.

No entanto, mais uma vez, com amparo na lei, é possível notar que o artigo 130 do CTN trata da matéria sob o enfoque extrafiscal, ao afastar a responsabilidade por sucessão:

Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.

Nota-se, assim, que, nos termos do art. 130 do CTN, a própria legislação tributária regulamentou e deu tratamento específico para facilitar ou viabilizar a arrematação, ao trazer norma excepcional ao instituto da responsabilidade por sucessão no caso de transferência de bem imóvel.

Ademais, é de conhecimento público e notório que o valor praticado na arrematação em hasta pública é significativamente inferior ao valor praticado no mercado, o que demonstra vantagem do adquirente na operação, que, conforme visto, não se limita ao custo de aquisição do bem.

Sendo assim, não é possível visualizar como justo e correto que a base de cálculo nas hipóteses de arrematação do bem em hasta pública corresponda ao valor da arrematação. O entendimento, assim, deve ser no sentido de que, nas hipóteses de arrematação em hasta pública, a base de cálculo do ITBI deverá corresponder ao valor venal do imóvel, que, por sua vez, deverá coincidir com o seu valor de mercado.

4.      Conclusões.

1.      O Poder Judiciário tem entendimento firme de que a base de cálculo do ITBI no caso de hasta pública é o valor da arrematação. Entretanto, inexiste nos precedentes ônus argumentativos jurídicos que conduzam seguramente a esta conclusão.

2.      A base de cálculo dos impostos previstos na Constituição, dentre eles, o ITBI, é reservado à lei complementar. O CTN é lei complementar nacional em matéria tributária. O artigo 38 do CTN prevê como base de cálculo do ITBI o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

3.      Diferentemente de outros, como II e IPI, o CTN não fez positivar o valor da arrematação como critério econômico para fins de base de cálculo do ITBI.

4.      Não se deve confundir preço com valor venal.

5.      Sabidamente, o valor da arrematação em hasta pública não corresponde ao valor venal.

6.      Em respeito à legalidade, ao “princípio da especificidade conceitual fechada” e “determinabilidade”, que são diretamente entrelaçados com a segurança jurídica, a base de cálculo do ITBI deve ser o valor venal do bem transmitido, não havendo espaço para utilização do valor da arrematação.



Por João Paulo Fanucchi de Almeida Melo (MG)

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