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10 Medidas de Combate à Insegurança Jurídica e ao Inadimplemento da Administração Pública em Contratos Administrativos

ANO 2016 NUM 270
Joel de Menezes Niebuhr (SC)
Advogado. Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UFSC. Professor de cursos de pós-graduação. Ex-Presidente do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina.


03/10/2016 | 7182 pessoas já leram esta coluna. | 3 usuário(s) ON-line nesta página

Considerações a propósito do Substitutivo apresentado pelo Senador Fernando Bezerra no Projeto de Lei n. 559, do Senado Federal

O Projeto de Lei n. 559, do Senado Federal, tem por objeto as licitações públicas e contratos administrativos, pretendendo substituir a Lei n. 8.666/1993, a Lei n. 10.520/2002 (pregão) e a Lei n. 12.462/2011 (RDC). Ele estava praticamente parado, parecia abandonado e esquecido, nem se falava mais dele. Nos últimos meses, no entanto, ele foi revigorado, realizou-se audiência pública, o Senador Fernando Bezerra apresentou Substitutivo e há notícias sobre um “acordo” para que ele seja aprovado com brevidade, cogita-se até que seja no final deste ano de 2016, num esforço combinado com o Executivo Federal.

Numa perspectiva geral, sem maior aprofundamento, gostei do Substitutivo apresentado pelo Senador Fernando Bezerra. Não é o Projeto dos meus sonhos, porém talvez tenha mais virtudes do que defeitos. É melhor do que as versões anteriores, o texto está mais claro, limpo, coerente e sistematizado. Nota-se, sobretudo, um esforço em dotar a Administração Pública de instrumentos para conseguir contratar com mais eficiência. É óbvio que as divergências não serão superadas. No entanto, parece ser a hora de tentar melhorar o que foi proposto, porém dentro do que foi proposto, sem adotar o estratagema de terra arrasada, que vem impedindo avanço mais expressivo em relação à matéria. Escrevo com objetivo de estimular os debates e com espírito propositivo.

Já que é para ser propositivo, concentro-me na parte que considero pior, em que o Substitutivo traz menos avanços e que, pois, merece, em maior grau, ser reavaliado. É a parte dos contratos administrativos, que tradicionalmente é relegada pelo Legislador à posição coadjuvante. Tanto isso é verdade que as últimas leis aprovadas pouco inovaram sobre os contratos administrativos, são focadas nas licitações. Por exemplo, a Lei n. 10.520/2002, da modalidade pregão, praticamente não menciona os contratos administrativos. O mesmo aconteceu com a Lei n. 12.462/2011, do RDC. Ambos os diplomas remetem à Lei n. 8.666/1993, como se as normas lá encontradas fossem satisfatórias. Diga-se, em alto e bom som: não são.

E, malgrado, o Substitutivo do Senador Fernando Bezerra segue a mesma sistemática da Lei n. 8.666/1993. Parece que o foco ficou com as licitações, onde há várias novidades, que consumiram todas as energias do Senador. A impressão é que ele chegou à parte dos contratos cansado, já sem muita disposição para novas reflexões e para enfrentar os desafios atualmente existentes.

De uma maneira geral, em minha opinião, o principal problema é o desequilíbrio excessivo dos contratos administrativos, que são caracterizados pelas chamadas “cláusulas exorbitantes”. Tratam-se de prerrogativas previstas em prol da Administração Pública, que fica em posição de superioridade em relação ao contratado, sempre sob a justificativa de proteger os interesses públicos. O problema é que, na sistemática atual da Lei n. 8.666/1993, o desequilíbrio é excessivo, os contratados são vulneráveis, gozam de direitos, porém não de instrumentos para exigir o cumprimento de tais direitos.  

Ganha destaque o inadimplemento contumaz da Administração Pública, que passa, via de regra, à margem dos órgãos de controle. Grita aos olhos que o inadimplemento retira a credibilidade da Administração Pública. Contratar com ela é muito arriscado e o risco é precificado pelo mercado. O resultado é que a Administração Pública, sem querer generalizar, paga mais caro do que a iniciativa privada. Então, fazer com que a Administração Pública pague em dia é fazer com que ela economize, o que é essencial em tempos de crise econômica.

O desequilíbrio e o inadimplemento da Administração Pública também alimentam a corrupção, criam o ambiente ideal para que as empresas sejam achacadas pela classe política. Se a Administração Pública pagar em dia, se o inadimplemento for coibido, os corruptos terão menos “favores” e “vantagens” a oferecer, o que diminui a corrupção. Oferecer segurança aos contratados, conferindo-lhes direitos para se oporem ao inadimplemento da Administração Pública, seria ótima medida de combate à corrupção.

Portanto, para evitar a corrupção e a ineficiência administrativa, é de fundamental importância que os pressupostos sobre os quais se desenham o temário dos contratos administrativos passem por um novo enfoque que, acredito, pelo menos em tese, é possível de ser contemplado no Substitutivo do Senador Fernando Bezerra.

Pois bem, o Substitutivo é acanhado no tocante às garantias dadas aos contratados e ao inadimplemento da Administração Pública. Merecem ser frisados:

(i) O artigo 107 do Substitutivo, cujo teor exige que o pagamento seja realizado na ordem cronológica de apresentação das faturas, reproduzindo a ideia do artigo 5.º da Lei n. 8.666/1993.

(ii) O inciso IV do § 1.º do artigo 103 do Substitutivo, cujo teor reduz o prazo de inadimplemento da Administração Pública que autoriza o contratado a pleitear a sua rescisão. O prazo atualmente vigente, do inciso XV do artigo 78 da Lei n. 8.666/1993, é de 90 dias. O prazo do Substitutivo cai pela metade, é de 45 dias. Enfim, 45 dias são melhores do que 90 dias.

(iii) O artigo 90 do Substitutivo, que prevê a obrigatoriedade de matriz de risco, cujo conteúdo “definirá o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em relação a eventos supervenientes”. Pode ser positivo, porém compartilho o meu receio com o alto grau de discricionariedade para a Administração Pública definir a alocação de riscos, dada a ausência de parâmetros preestabelecidos no Substitutivo. Receio que, com tanta liberdade, ela queira se livrar dos riscos, criando contratos leoninos e acentuando, ainda mais, a sensação de insegurança jurídica.

É muito pouco. Proponho medidas mais ousadas.

Começo com o artigo 107 do Substitutivo, que exige o pagamento na ordem cronológica de apresentação das faturas, como já prescreve o artigo 5.º da Lei n. 8.666/1993. A norma é elogiável, porém não representa novidade e o passar dos anos mostrou que não basta prescrever o cumprimento da ordem cronológica, porque as autoridades administrativas, na sua maioria, não cumprem. É preciso de meios factíveis para que os contratados exijam o cumprimento da ordem cronológica e é preciso sancionar adequadamente o seu descumprimento.

Quando se fala de ordem cronológica para pagamento de contratos administrativos faz-se naturalmente uma espécie de associação com a ordem cronológica para pagamento de precatórios, são coisas parecidas. No entanto, a ordem dos precatórios é respeitada e a ordem dos contratos não. É de investigar por quais razões e tentar trazer para a ordem dos contratos, que não funciona, as amarras da ordem dos precatórios, que, neste particular, funciona. Pois bem, não é preciso muita reflexão, a ordem dos precatórios é obedecida porque, em caso contrário, o § 6º do artigo 100 da Constituição Federal autoriza o sequestro dos valores dos precatórios preteridos diretamente nas contas públicas. O mesmo deveria ocorrer com os contratos administrativos, excepcionando as preterições de ordem que sejam previamente justificadas em interesse público. Essa é a minha primeira proposta, que suponho polêmica.

Podem alegar, contra a proposta, que o sequestro é muito violento, que prejudicaria a Administração Pública e que feriria a ordem de pagamento dos precatórios. Rebato com os seguintes argumentos:

(i) Em minha opinião, o sequestro é tão violento quanto o descumprimento da ordem cronológica – ou deveria ser considerado. Prescrever o sequestro não significa incitá-lo. Não quero o sequestro, quero o cumprimento da ordem cronológica. O sequestro é apenas a sanção, que precisa ser forte, porque a Administração Pública dá de ombros para a norma legal há mais de vinte anos. A Administração Pública somente irá cumprir a norma legal se houver uma sanção forte e exequível, não vejo outra, afora o sequestro. O Poder Público respeita a ordem dos precatórios porque os gestores sabem que, se não o fizerem, no dia seguinte o beneficiado com o precatório preterido sequestra-lhe os valores, simples assim.

(ii) A proposta não significa quebra da ordem cronológica do pagamento dos precatórios porque não tem nada a ver com precatórios. O sequestro não seria para o pagamento de precatório, não se trataria de ações de cobrança ou de execução contra a Fazenda Pública. Apenas do cumprimento de obrigações contratuais ordinárias da Administração Pública, depois que ela liquidasse (reconhecesse) a respectiva despesa e desde que quebrasse a ordem cronológica.

A minha segunda proposta é que se estabeleçam prazos para a Administração Pública tomar providências em relação ao processamento das despesas e pedidos do contratado, como para a liquidação, pagamentos, para conceder reajuste e para analisar pedidos de aditivos.

Por exemplo, não é raro que a Administração, para não pagar o contratado, recuse-se a liquidar a despesa. Ou seja, o contratado executa o contrato, entrega à Administração Pública, porém ela se recusa a fazer as medições, a reconhecer o que foi executado. Sucede que ela precisa liquidar a despesa para o contratado emitir a nota de faturamento e, com isso, entrar na fila da ordem cronológica. A Administração Pública se recusa a liquidar a despesa porque daí parece ao controle que não há problemas de inadimplemento. Isso deve ser coibido e o mesmo vale para o pagamento e para todos os pedidos formulados pelos contratados.

A terceira proposta é que o descumprimento dos prazos, principalmente o atraso no pagamento da Administração Pública, gere consequências para ela e para os gestores afora a mera correção e juros. O descumprimento dos prazos não pode passar em branco. A Administração Pública deveria pagar multa contratual e os gestores penalizados pessoalmente nos casos em que o atraso não for justificado. Também se deve atribuir, expressamente, responsabilidades aos órgãos de controle, que hoje não costumam dar atenção a tais aspectos.

Dentro dessas consequências, poder-se-ia prever, e aí a quarta proposta, que o atraso no pagamento superior a 15 dias úteis deve ser comunicado aos órgãos de controle, com as devidas justificativas – que, evidentemente, deveriam ser analisadas pelos órgãos de controle. Se o inadimplemento é causado por falta de recursos, a Administração Pública também deveria expor as medidas que serão tomadas para regularizar a situação, com a indicação de prazos, inclusive, se necessário, de contingenciamento orçamentário.

A quinta proposta é que o prazo para que o contratado possa suspender a execução do contrato em razão do não pagamento por parte da Administração Pública seja reduzido, que seja em torno de 15 dias úteis, salvo para os casos de contratos que envolvem a prestação de serviços públicos essenciais. Para além disso, que o contrato somente pudesse ser retomado com o pagamento de todas as faturas atrasadas, inclusive aquelas que não perfizeram o prazo estabelecido, bem como com a indenização de todas as perdas sofridas pelo contratado, inclusive correção, juros, despesas de desmobilização e mobilização. A Administração Pública teria que acertar todas as suas contas para que o contrato voltasse a ser executado. Isso a faria pensar duas vezes antes de firmar contratos sem estofo econômico-financeiro, sem planejamento. Ela firmaria os contratos que têm condições críveis de serem adimplidos.

A sexta proposta é centrada na mediação, que deve ser obrigatória quando a Administração Pública não cumpre os prazos para a liquidação de despesas, pagamento, concessão de reajuste, pedidos de aditivos ou qualquer outra providência solicitada pelo contratado. A não decisão da Administração instaura a mediação e o mediador deve ser dotado de poder para recomendar uma solução para o caso. A recomendação, como o próprio nome deixa bem claro, não obriga a Administração Pública ou o contratado, mas oferece um norte para que se tome uma decisão a bem do interesse público.

O maior propósito dessa mediação é dar apoio aos gestores públicos para que tomem as decisões, para que se sintam mais confortáveis e com menos medo.

Por exemplo, ocorre, muitas vezes, que o gestor do contrato entende que o contratado tem direito ao pleito que foi formulado de revisão. No entanto, ele e os demais agentes administrativos temem que os órgãos de controle não concordem com a interpretação favorável à revisão, que visualizem o descumprimento de alguma norma legal e mesmo prejuízos ao erário. Temem, no final das contas, que sofram sanções pessoais, o que vem acontecendo com larguíssima frequência. Então, para se protegerem, preferem não decidir, ficam parados, empurrando a Administração Pública para um estado terminal de inação. Essa mediação serviria para que um terceiro isento e imparcial, de preferência especializado, analisasse o pedido (suposto litígio) de maneira mais adequada. A recomendação do mediador poderia ser utilizada como reforço para a fundamentação da revisão do contrato.  

Ligada a isso vem a sétima proposta, que diz respeito à proteção pessoal de gestores públicos que atuam de boa-fé. Parece algo óbvio: ninguém na Administração Pública deve ser responsabilizado pessoalmente por divergência de interpretação do Direito, sobremodo quando dissonante à interpretação dos órgãos de controle. A responsabilidade dos agentes públicos é pessoal, deve ser individualizada, pressupõe dolo ou culpa grave. O agente administrativo precisa recuperar o “direito de errar”, o que é fundamental para conseguir “acertar”, ser criativo e propositivo.    

Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS n. 30.296/DF, da lavra do Ministro Joaquim Barbosa, deixou assentado que “os jurisdicionados têm ampla liberdade para questionar pelos meios legais previstos a opinião dominante tanto no meio acadêmico como nos Tribunais. Por outro lado, o simples dissenso entre o que entende o órgão de controle e o controlado é insuficiente para caracterizar ‘tese contrária à lei e ao direito’.” Em tom de advertência, disse que “o órgão de controle deve ser parcimonioso de modo a não elevar sua interpretação sobre as questões de fundo ao status de verdade por si evidente e definitiva.”

Há um dispositivo interessante no Substitutivo, o § 3.º do artigo 46, cuja dicção é no sentido de que os advogados públicos não são “passíveis de responsabilização por suas opiniões de aspecto estritamente jurídico, ressalvadas a hipótese de dolo ou fraude [...]”. Perfeito. O problema é que isso não pode servir apenas aos advogados públicos, dado que os demais agentes administrativos também aplicam a legislação e, invariavelmente, decidem em razão de “opiniões de aspecto estritamente jurídico”. Os demais agentes administrativos, sob a mesma lógica, também não devem ser responsabilizados por interpretação do Direito.

O leitor deve estar pensando que perdi o foco. Tratava de dar mais equilíbrio e segurança para os contratados pela Administração Pública e agora me dedico a proteger os agentes administrativos. É que esses dois aspectos estão conectados. Para dar segurança ao contratado, as providências a cargo da Administração Pública precisam ser tomadas com celeridade, o que não acontece atualmente. Por experiência pessoal, afirmo que a maior causa para os atrasos é o medo que os agentes administrativos têm de tomarem uma decisão e depois serem responsabilizados pessoalmente pelos órgãos de controle, que não concordam com a solução tomada porque fazem uma interpretação diferente das normas legais. Essa situação precisa acabar, há de se resgatar a autoridade dos agentes administrativos, para que eles possam e fiquem confortáveis para decidir o que precisa ser decidido dentro do tempo devido. Acabar ou atenuar o medo dos agentes administrativos repercute em cheio na gestão dos contratos administrativos, de modo a prestigiar os direitos do contratado.

Com esse espírito, a oitava proposta é a de colocar na futura lei o que eu chamo de “antecipação dos efeitos da alteração contratual”, ideia que venho defendendo já faz um par de anos. Explico melhor.

Com larga frequência, contratos de obras públicas demandam pequenos e médios ajustes com a inclusão de itens não previstos nas planilhas iniciais, apresentadas por ocasião da licitação pública e da assinatura do contrato. E, também com larga frequência, por questões de ordem técnica, tais alterações condicionam a continuidade do empreendimento. Ou seja, enquanto a parte objeto da alteração não for executada, não se pode passar à fase seguinte do empreendimento.

O problema é que a formalização de termo aditivo, em muitos órgãos e entidades administrativas e, especialmente, na Administração Pública Federal, não se faz de imediato, consumindo alguns meses. Desta sorte, a Administração Pública vê-se forçada a determinar aos contratados a execução imediata das alterações e dos seus novos itens, sem a devida formalização dos termos aditivos, sob pena de paralisar e atrasar as obras de maneira excessiva, o que lhe geraria prejuízos.

Acontece que, atualmente, isso é realizado às escondidas, no “fio do bigode”, sem qualquer formalização, o que deixa os contratados desprotegidos. Eles acabam executando as alterações sem a formalização do termo aditivo e só recebem depois, se tudo acabar andando bem e o termo aditivo for realmente assinado. Ficam descobertos e, na melhor das hipóteses, os pagamentos são postergados.

A antecipação dos efeitos da alteração contratual significa apenas conferir competência ao gestor do contrato para autorizar formalmente a alteração antes da assinatura do termo aditivo, diante de certos pressupostos, sobremodo urgência, sob pena de prejuízos ao interesse público, e plausibilidade da alteração contratual, justificada jurídica e tecnicamente, inclusive com a respectiva ART, se for o caso. Enfim, fazer às claras e motivamente o que hoje se faz às escondidas.

A nona proposta implica limitação à atuação dos órgãos de controle. Eles devem ter um prazo preclusivo para questionar o conteúdo dos contratos administrativos já firmados e, especialmente, aspectos técnicos e de pretenso sobrepreço, que, atualmente, em muitos casos, decorrem apenas de discordância técnica: o contrato prevê que determinada atividade seja realizada de um jeito e os órgãos de controle acham que há outro jeito mais barato.

Não é plausível que a Administração Pública abra e conclua a licitação, dando publicidade a todos os termos do futuro contrato, firme o contrato e, depois, no transcurso da sua execução, os órgãos de controle apareçam para questionar as opções técnicas expostas desde o início. Tudo bem que devem cuidar da economicidade, que tenham o direito de questionar as decisões da Administração Pública, porém que façam isso no tempo devido e razoável, que significa antes da execução do contrato. Seria possível até mesmo prever uma quarentena, entre a conclusão da licitação e o início da execução do contrato, para os órgãos de controle, se quiserem, analisarem os seus termos. No entanto, iniciada a execução, vale o contrato, que não deve mais ser questionado.

A décima proposta dedica-se às sanções administrativas, mais especificamente as de impedimento de licitar e contratar e a declaração de inidoneidade para licitar e contratar, previstas no artigo 113 do Substitutivo. A diferença entre elas é que o impedimento vale para o ente federativo e o prazo máximo é de 3 anos enquanto a declaração de inidoneidade incide sobre todos os entes federativos e o prazo é de 3 anos a 6 anos. Ambas são extremamente graves, especialmente em tempos de crise econômica.

O artigo 112 do Substitutivo listou os comportamentos que ensejam a aplicação das sanções. Em linha de síntese, a ideia é que o adimplemento culposo gera a sanção de impedimento de licitar e contratar e a fraude ou má-fé a declaração de inidoneidade. Parece-me, no entanto, que isso é excessivo, notadamente o impedimento de licitar e contratar em razão do inadimplemento culposo. Em minha percepção, apenas condutas de má-fé, dolosas, poderiam ensejar a aplicação de qualquer penalidade que retira o direito da empresa penalizada de participar de licitações e firmar novos contratos. O inadimplemento culposo deveria ensejar outras sanções menos severas.

É de registrar que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal tem precedente que vai exatamente nesse sentido, sobre a penalidade do artigo 7.º da Lei n. 10.520/2002, de impedimento de licitar e contratar, que é muito próxima da figura proposta no artigo 113 do Substitutivo. Esse precedente foi prolatado por ocasião do julgamento do ROMS n. 31.972, da Relatoria do Ministro Dias Tofolli. O acórdão invalidou a sanção sob o argumento de que a falta atribuída à empresa sancionada não foi produzida com fraude ou má-fé. Logo, naquela ocasião, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a fraude ou má-fé é condição para a aplicação da sanção de impedimento de licitar e contratar.

O Substitutivo despreza o precedente do Supremo Tribunal Federal. Fico preocupado, digo de passagem, quando ninguém dá bola para os precedentes do Supremo Tribunal Federal.

De toda sorte, a delimitação das sanções que acarretam a proibição de licitar e contratar aos casos de fraude ou má-fé é importante para proteger as empresas. Têm ocorrido, na prática, situações de controvérsia sobre a execução dos contratos em que os contratados acabam se curvando às pretensões da Administração Pública com receio de sofrerem sanções que obstem o acesso a novas licitações e novos contratos, causando prejuízos muito maiores às empresas. Preferem não discutir, aceitar prejuízo num contrato pontual, embora não concordem com a Administração Pública, para evitar o risco de uma sanção tão severa.

É de registrar que o artigo 83 da Lei n. 13.303/2016, que trata das sanções a serem aplicadas pelas estatais, segue uma outra sistemática, não há declaração de inidoneidade e a sanção mais grave, de suspensão temporária, restringe-se à estatal que a aplicou. Seria interessante, quanto menos, conciliar o regime de sanções das estatais com o geral da Administração Pública.     

Pode parecer contraditório, porém é a Administração quem mais ganha com contratos administrativos equilibrados, em que os direitos dos contratados são levados a sério. Talvez num outro lugar, com cultura de respeito aos direitos dos contratados, as minhas propostas seriam excessivas. No Brasil, tenho a convicção que são necessárias. 



Por Joel de Menezes Niebuhr (SC)

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