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A incrível e triste história do jurista que virou meme

ANO 2017 NUM 348
José Vicente Santos de Mendonça (RJ)
Doutor em Direito Público (UERJ). Professor adjunto de Direito Administrativo da UERJ. Professor da Universidade Veiga de Almeida (RJ).


17/04/2017 | 14374 pessoas já leram esta coluna. | 4 usuário(s) ON-line nesta página

Certa manhã, ao acordar de sonhos intranquilos, o doutor Semprônio descobriu que havia se transformado num gigantesco meme.

Após tantas opiniões definitivas, após tanta reflexão em alentados volumes, após o pós-doutoramento de duas semanas, ele agora havia se tornado uma gigantesca entidade lacradora.

Não é que não tivesse importância entre seus alunos (tanto que o citavam nas provas que ele corrigia), não é que os candidatos evitassem comprar seus livros quando participava de bancas; mas queria ir além. Sonhava o sonho de Jhering. Encontrar o resíduo da discricionariedade; o conceito além da noção. Na quinta-feira, dormiu na palestra e entrou num barco que navegou até um céu dourado onde se encontrou com a Natureza Jurídica em pessoa.

Não mais. Não agora. Agora era um meme, rapidamente compartido entre cinco mil pessoas. Leu texto de opositor intelectual mas a Melhor Doutrina lhe faltou pela primeira vez. Tudo que escreveu foi: "Melhore."

Seis mil likes.

As fanpages cresciam. Semprônio só tinha palavras de ânimo aos seguidores: "doutrina mais que tá pouco".

Que eram agora um grupo, uma gangue; milhares de amigos conjurando haters.

Ah, os haters. Virar meme era virar uma etiqueta de amor rápido e de ódio rápido. O primeiro jurista meme, o memista: natural que tivesse inimigos. É que Semprônio sambava mesmo, e eram só #verdades, só #tapas na cara da sociedade. Ele não era um reles caça-cliques. Quem sabe fosse o profeta da pós-verdade jurídica.

SQN. A Semprônio faltava algo. Chame de imarcescível integridade da pesquisa, chame de método de verificação, chame de esforço coletivo rumo a alguma verdade provisória, chame de humildade epistêmica, chame de moral da história: Semprônio não estava completo. "PLMDDS", lacrava Semprônio, "preciso #descobrir essa verdade além da verdade, essa riqueza sobrante a toda glória, essa relevância para além do impacto." E afinal Semprônio, contra o barulho do mundo, deu-lhe seu silêncio. Ficou off-line para sempre.

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A despedida de Semprônio acaba de receber o sétimo milésimo like.

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Por José Vicente Santos de Mendonça (RJ)

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