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Programa de Parcerias de Investimentos - PPI: vamos com calma, porque temos pressa

ANO 2016 NUM 189
Leonardo Coelho Ribeiro (RJ)
Mestre em Direito Público pela UERJ. Especialista em litígios e soluções alternativas de conflitos pela FGV Direito Rio (LL.M Litigation). Coordenador técnico do LL.M em Direito da Infraestrutura e do Curso de Regulação da Infraestrutura e dos Recursos Naturais no Ibmec/RJ. Professor de Cursos de Pós-Graduação em Direito Administrativo. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/RJ, IAB e IDAERJ. Advogado.


13/06/2016 | 5181 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

A MP 727, de 12/05/2016, criou o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, confirmando o que se vinha especulando para o caso de um governo Temer. De largada, são tornados claros seus três pilares fundamentais: i) intensificação de parcerias entre os setores público e privado; ii) especialmente por meio de empreendimentos de infraestrutura; e iii) valendo-se de medidas desestatizantes (privatização).

Os meios jurídicos de parceria não se limitam a concessões de serviços públicos e PPPs. Tem escopo mais amplo, alcançando negócios público-privados de uma forma mais geral, que adotem estrutura jurídica semelhante em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volume de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos.  

Há uma virada clara de entendimento, em prol da busca por estabilidade e segurança jurídica, sob a diretriz da mínima intervenção regulatória possível e do fortalecimento de agências reguladoras, de modo a atrair investimentos e viabilizar o desenvolvimento nacional, a criação de empregos e outros. Trata-se de mudança que, provavelmente, demandará uma pauta positiva do Congresso Nacional para rever o caráter regulatório mais intervencionista que vinha sendo adotado até então. Será preciso alterar marcos regulatórios, a fim de afastar restrições e intervenções excessivas, como:

i)                   aquelas feitas aos Terminais Portuários privados, quando impedem sua expansão para além de 25% sem nova autorização, bem como exigem garantias descabidas;

ii)                 A complexa modelagem das ferrovias, com interveniência da VALEC, seguindo um modelo open acess que não saiu do papel, retomando às concessões verticais comuns;

iii)               A mudança do modelo de delegação de aeroportos, para que a Infraero não tenha de figurar como sócia obrigatória de concessionários privados; e

iv)               A alteração do marco regulatório do pré-sal, para que, dentre outros, a Petrobrás não tenha de ser operadora única ou, mais ainda, se retorne ao modelo de concessão, que era tradicionalmente adotado no setor, até as mudanças regulatórias pós descoberta do pré-sal.

Para isso, uma providência necessária estará em insular políticas públicas vitais à infraestrutura nacional dos sabores políticos de ocasião, carimbando projetos relevantes com o rótulo de políticas públicas de estado (longo prazo), e não de governo. Criar uma agenda clara e, acima de tudo, cumprir os objetivos que se sinaliza, evitando o descrédito que geram apresentações de power point, com boa embalagem e projeções otimistas, mas baixo resultado efetivo, como se viu por inúmeras vezes em nossa história recente. Em suma: será preciso dar concretude à disposição que prevê que os empreendimentos do PPI serão tratados com prioridade nacional.

A previsão de regulamentação do PPI por decretos específicos, desde que observados os limites da lei, poderá conferir a agilidade de resposta necessária para afastar a inércia que hoje se nota.

Outros dois pontos fortes do Programa, que poderá enfrentar problema crônico para os empreendimentos de infraestrutura brasileiros, podem ser encontrados na análise de impacto regulatório (AIR) das medidas pretendidas, bem como na busca por maior articulação entre os órgãos competentes.

No caso da AIR, tem-se preocupação que pode evitar a adoção prática de medidas por mero impulso, sem a base de estudos adequadas que comprovem, grosso modo, que a relação entre os resultados que se espera alcançar, e os custos das medidas envolvidas para isso, revelam um saldo positivo.

De outro lado, no que toca à necessidade de articulação, tem-se o que se segue: como as competências relativas a esses tipos de projetos são muito imbricadas, articular-se, em torno de um propósito único e bem definido, acima da luta por defender competências e espaços de poder, pura e simplesmente, será fundamental para que as iniciativas compreendidas no PPI deem certo. Daí ser louvável que os projetos do PPI assumam uma posição prioritária acima dessas questões, de modo que os órgãos, entidades e autoridades estatais, inclusive as autônomas e independentes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com competências de cujo exercício dependa a viabilização de empreendimento do PPI, tenham o dever de atuar, em conjunto e com eficiência, para que sejam concluídos, de forma uniforme, econômica e em prazo compatível com o caráter prioritário nacional do empreendimento, todos os processos e atos administrativos necessários à sua estruturação, liberação e execução.

A disciplina do PPI dedica, ainda, especial atenção para a estruturação de projetos, um ponto frágil do cenário atual da infraestrutura brasileira, que acaba fazendo com que muitas alterações ocorram já na fase de execução, aumentando custos e relegando a fase de implantação da infraestrutura ao imprevisível. Diante disso, intensificar a forma de manejar as possibilidades que, legalmente já existem, para realizar procedimentos preliminares, a fim de subsidiar a celebração da parceria subsequente, é medida providencial.

Merece destaque a criação do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias, por meio do qual poderá ser conferida autorização única para a estruturação integrada de empreendimentos, hipótese específica na qual se exclui a possibilidade de que a empresa fornecedora do projeto de estrutura integrada participe da licitação futura, ou contrate com licitante privado. Trata-se de solução que pretende fomentar um mercado independente de projetos, mitigando a prática de procedimentos de manifestação de interesse nos quais os principais interessados proviam, eles próprios, com auxílio de consultorias especializadas, os estudos econômicos técnicos e jurídicos que futuramente embasariam a seleção do parceiro privado. O ponto é interessante, mas poderá enfrentar alguma resistência do mercado, de modo que demandará refinamentos.

A Empresa de Projetos e Logística – EPL, que foi criada há poucos anos, com competências extremamente amplas, mas, ainda assim, pouco produziu de concreto para a integração logística do país, passa a ser vinculada à Secretaria Executiva do PPI, como órgão de apoio ao Conselho do PPI, o que poderá permitir maior contribuição de seu corpo técnico na importante e carente fase de estruturação de projetos.   

A MP 727 encerra dispondo pela sua aplicabilidade, no que couber, aos empreendimentos empresariais privados nos quais, em regime de autorização administrativa, concorram ou convivam, em setor de titularidade estatal ou de serviço público, com empreendimentos públicos a cargo de entidades estatais ou de terceiros contratados por meio de parceiras. Quer dizer: em setores nos quais se faça presente uma assimetria regulatória, caracterizada pela multiplicidade de regimes jurídicos concorrentes àqueles que detenham títulos habilitantes diversos para atuar.

Afasta-se a dúvida eventual de que apenas serviços de titularidade pública poderiam se encaixar na sistemática anteriormente descrita, abrindo-se ótimas possibilidades para empreendedores privados habilitados mediante autorização. Para ilustrar em um exemplo, tudo indica que, feitos os temperamentos necessários acerca daquilo que for cabível para o caso, Terminais Portuários Privados, que são empreendidos por agentes privados, mediante autorização, deverão ser pautados e beneficiados pela mesma lógica da MP 727, quanto arrendamentos portuários, que são tidos como sub-concessões de serviços públicos.

Se não resolve tudo, e nem tampouco poderia, pois de mais uma nova norma salvadora da pátria é justamente do que não precisamos, o PPI tem o mérito inaugural de inverter o sinal. Apontando diretrizes para solucionar problemas crônicos, e amplamente realçados nos últimos anos, vale de corretor para redirecionar a lógica de esforços do Poder público, as parcerias com agentes privados e o ambiente regulatório e negocial brasileiro. Que seja implantado no ritmo entoado por Henrique Meirelles: com calma, porque temos pressa!



Por Leonardo Coelho Ribeiro (RJ)

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