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O PMI e a proposta de "dupla autorização exclusiva": sugestões para utilização

ANO 2020 NUM 438
Mário Saadi (SP)
Sócio de Direito Público e Infraestrutura de Tauil Chequer associado a Mayer Brown Doutor em Direito do Estado pela USP. Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela FGV-SP. Professor da Pós-Graduação da FGV-Direito SP e Árbitro vinculado à CAMFIEP e à CAMES.


03/02/2020 | 3173 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

Em artigo denominado “Sugestões para o aperfeiçoamento do PMI e da MIP: incentivo à inovação, estimulando múltiplas propostas e soluções” (in: SADDY, André; MORAES, Salus (org.). Tratado de Parcerias Público-Privadas: Teoria e Prática. Tomo 3. Rio de Janeiro: Centro de Estudos Empírico-Jurídicos, p. 349-366), pontuei que Procedimentos de Manifestação de Interesse – PMIs são, corriqueiramente, criticados e elogiados. Os argumentos para ambos os lados são variados. Pela crítica, há quem diga que gerariam privilégios em favor de quem deles participa e fariam com que houvesse assimetria de informações entre os agentes econômicos que desenvolvem estudos nesta fase de planejamento de parcerias público-privadas – PPPs e aqueles que não o fazem; em certos casos, haveria pouca capacidade institucional para que a Administração Pública avaliasse criticamente toda a documentação recebida da iniciativa privada (idem, p. 350-351).

Pelos elogios, existem os que dizem que permitiriam que propostas inovadoras fossem levadas a conhecimento da Administração Pública, pautadas pelo interesse e pela expertise privada em diversos tipos de negócios; fariam com que soluções inovadoras fossem desenhadas a tantas mãos quanto necessárias (as de agentes econômicos interessados no empreendimento, as da Administração contratante, as de eventuais consultores contratados para revisão e consolidação da documentação) (ibidem idem, p. 351).

Independentemente da crítica ou do elogio, trabalho com o ordenamento jurídico. Este disciplina a utilização do PMI pela Administração Pública aos montes. Em país extremamente carente de bons projetos de infraestrutura e com baixíssima capacidade institucional para seu refinamento, ainda acredito na utilidade do mecanismo. E também defendo a realização de aprimoramentos. Como em qualquer outro campo da vida, melhoria não virá sem esforço, sem experimentalismo, sem algum medo de errar e sem genuína abertura ao diálogo e à aprendizagem.

No mesmo artigo, defendi a utilização do modelo de autorização única. Coloquei que o art. 21 da Lei nº 8.987/1995 prevê que será expedida autorização ao agente privado interessado no desenvolvimento de estudos que possam pautar a outorga de concessões e PPPs. A lei não estabeleceu, em minha visão, qualquer obrigatoriedade de que a autorização deveria ser ampla, emitida irrestritamente em favor de todo e qualquer interessado. Pontuei que a alternativa estaria à disposição da Administração Pública: a depender do que se pretende estudar concretamente, da forma que se quer estudar, da interação que se pretende ter com o agente interessado, poderia ser emitida única autorização, ou seriam expedidas diversas autorizações (ibidem idem, p. 352).

Pois bem. O recente Decreto 10.104, de 06 de dezembro de 2019, alterou o Decreto 8.428, de 02 de abril de 2015, para admitir, expressamente, em âmbito federal, a possibilidade de expedição de autorização exclusiva para desenvolvimento de estudos e projetos em sede de PMI. Conforme a atual redação do art. 6º, I, do Decreto 8.428, a autorização “poderá ser conferida com exclusividade ou a número limitado de interessados”, desde que atendimentos determinados critérios, que devem ser estabelecidos em edital (art. 10, parágrafo único).

Em vista dessa alteração, faço proposição. Com ela, quero lidar com as críticas e com os elogios que mencionei acima. Dum lado, tratar do problema que existe, por hipótese, na expedição de autorização única para agente privado que tenha interesse na exploração econômica do empreendimento que se quer licitar: a de que haveria algum tipo de privilegio em seu favor, por desenvolver estudos que serão utilizados pela Administração Pública como base para o certame a ser lançado. Doutro, com o elogio de que agentes privados aportariam expertise e inovação no design de projetos apresentados para o Poder Público: boas ideias gerariam bons certames, com trabalhos realizados de maneira aberta por todos envolvidos.

Nessa linha, a minha sugestão é a seguinte: a realização de PMI em que sejam emitidas duas autorizações – uma para agente que, sim, tem interesse econômico na exploração do futuro empreendimento; outro que não o tem, mas que tem interesse em que o projeto seja bem estruturado, levado a licitação e efetivamente contratado.

Visualizo esse procedimento, que chamarei de “dupla autorização exclusiva”, implementado da seguinte forma. Edital de chamamento público seria publicado (de ofício pela Administração Pública, ou por provocação de agente interessado...) para que duas autorizações para agentes privados fossem emitidas. No ato de apresentação para cadastramento e posterior apresentação, os agentes, necessariamente, indicariam se possuiriam, ou não interesse em participar da futura licitação. No ato de cadastramento, o agente privado sem interesse na exploração econômica do empreendimento abriria mão de participar na licitação.

Isso pautaria o estabelecimento de critérios, previstos em edital, para escolha dos agentes que tivessem interesse declarado em explorar economicamente o objeto a ser licitado e aqueles que não o tivessem. Nos termos do art. 10, parágrafo único, do Decreto 8.428,  os critérios de seleção para expedição de autorização exclusiva ou limitada a número de agentes passam por experiência profissional comprovada (inciso I), plano de trabalho (inciso II) e avaliações preliminares sobre o empreendimento (inciso III).

No modelo de “dupla autorização exclusiva”, a seleção do agente interessado em explorar economicamente o empreendimento estaria calcada no terceiro item: Seu grau de engajamento no procedimento de manifestação de interesse estaria diretamente atrelado ao grau de informações e ao nível de conhecimento do problema específico relativamente ao objeto que gostaria de ver licitado. Com isso, a Administração Pública já teria algum nível de conforto a respeito do efetivo interesse do agente no projeto, de forma a aumentar suas chances de ter uma licitação bem-sucedida.

Doutro lado, a escolha do agente que não tivesse interesse em explorar economicamente o empreendimento estaria pautada pelo primeiro item: o de experiência profissional comprovada. A escolha do agente sem interesse na exploração econômica do empreendimento estaria atrelado à sua expertise setorial, à experiência na modelagem de ativos semelhantes. O foco, aqui, estaria na seleção de consultores ou fundações que atuariam de maneira independe em relação ao agente autorizado que possuísse interesse na exploração do empreendimento, atuando para preparar seus próprios estudos, revisar os estudos preparados pelo outro agente e intermediar discussões entre eles e a Administração Pública interessada.

Com isso, haveria a possibilidade de garantia de que os estudos estariam focados em solução de mercado, passado por análise independe e revisados de maneira criteriosa, para que a licitação não fosse dirigida. A Administração teria, ao mesmo tempo, conforto na solução proposta e na isenção da solução proposta.

Os estudos seriam selecionados, com previsão, no edital de licitação, a ambos os agentes. Com o sucesso do certame, seria devido ressarcimento, pela licitante vencedora, em função do aproveitamento dos estudos e projetos apresentados. Aqui, caberia mais uma inovação: caso a licitante vencedora tenha sido a mesma que apresentou os estudos, ela abriria mão do seu próprio ressarcimento, destinando-o ao agente que fez os estudos sem interesse na exploração do empreendimento.

A solução é nova e pode ser facilmente testada. Por que não tentar? Fica o convite: à implementação, ao debate e à proposição de outras soluções.



Por Mário Saadi (SP)

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