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Fake News Institucional: a crítica vazia ao projeto de lei 7448/2017

ANO 2018 NUM 391
Paulo Modesto (BA)
Professor de Direito Administrativo da UFBA. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Público. Doutorando em Direito Público pela Universidade de Coimbra. Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e do Ministério Público da Bahia. Diretor-Geral da Revista Brasileira de Direito Público. Editor do site direitodoestado.com.br


13/04/2018 | 5522 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

As fake news brotam por toda a parte. Antes limitadas a grupos marginais, que se escondiam em lugares sombrios, hoje são abertamente vendidas por profissionais ou criadas livremente por agentes públicos na intimidade dos palácios e repartições. Na sociedade em rede, o objeto das fake news também se expandiu: antes eram reputações que eram imoladas, agora tudo pode ser objeto de informação falsa intencional, inclusive programas governamentais, projetos de lei, ações judiciais, relatórios e leis.

Recentemente, o projeto de lei 7448/2017, que propõe alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), foi vítima de ataque de fake news institucional. A proposta trata de limitar o arbítrio de autoridades administrativas exigindo motivação detalhada e especificação de responsabilidades. Paradoxalmente, por limitar o arbítrio e exigir dos órgãos de controle menor grau de discricionariedade em favor da segurança jurídica, foi difamada por representantes de auditores dos tribunais de contas, de juízes e membros do Ministério Público como um projeto voltado a facilitar o malfeito, para usar uma expressão que entrou em voga. As entidades pedem o veto integral ao projeto de lei, difundindo autenticas fake news.

O projeto foi aprovado a partir de texto elaborado por dois juristas ilustres, os professores Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo Marques. Foi debatido intensamente na comunidade jurídica, com majoritário apoio. Recebeu incentivo do senador Anastasia, que o acolheu. Fragmentos do texto foram retirados de outro projeto também elaborado por juristas, que tratava da organização administrativa, e que permaneceu na gaveta governamental por influência dos mesmos segmentos dos órgãos de controle. Deste último projeto participei, juntamente com Carlos Ari Sundfeld, Floriano Azevedo, Maria Sylvia Zanella di Pietro, Almiro do Couto e Silva, Maria Coeli Simões Pires e Sergio de Andréa, todos especialistas em direito administrativo e comprometidos com o combate à improbidade administrativa. É difícil construir uma narrativa que esse amplo grupo, com longo compromisso com o direito e o controle, desejava o descontrole e a vitória da corrupção.

É uma patologia do nosso tempo, já denunciada por Floriano em texto:  em sociedades viciadas em desmandos e corrupção, como a nossa,  as propostas para aperfeiçoar o sistema de controle frequentemente são percebidas como ardilosas tentativas de enfraquecer os controles e favorecer a bandalheira. É como se a corrupção amplamente vivenciada interditasse o debate para aperfeiçoamento do próprio controle. Porém,  não é preciso ser muito inteligente para inferir que, se há altos índices de corrupção, o sistema de controle não se mostra eficiente ou exige aperfeiçoamentos.

Ampliar a segurança jurídica é reduzir o arbítrio; reduzir o arbítrio é reduzir as possibilidades de agentes públicos venderem o arbítrio para quem está disposto a pagar para se favorecer com ele. Ao fim e ao cabo, a segurança jurídica amplia o combate à corrupção, nunca o reduz. Mas em tempos de fake news, parece ter razão quem grita mais alto, mesmo com prejuízo à razão.



Por Paulo Modesto (BA)

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