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Prazo dos Contratos Administrativos II: as "exceções" decorrentes da Constituição e da Lei

ANO 2018 NUM 421
Ricardo Marcondes Martins (SP)
Professor de Direito Administrativo da PUC/SP. Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP. Líder do grupo de pesquisa "Ponderação no direito administrativo e contrafações administrativas".


27/11/2018 | 11743 pessoas já leram esta coluna. | 8 usuário(s) ON-line nesta página

Em minha coluna anterior, “Prazo dos contratos administrativos: o que a Constituição tem a ver com isso?”, fiz duas afirmações que precisam ser retificadas. Retomo o tema nesta coluna para, primeiro, corrigi-las e, a partir disso, aprofundar o estudo da prorrogação dos contratos administrativos, que possui indiscutível relevância para a prática administrativa.

Afirmei existir uma regra geral: os contratos devem durar pelo mesmo período de vigência dos respectivos créditos orçamentários, regra estabelecida no “caput” do art. 57 da Lei 8.666/93. Defendi que essa regra tem fundamento constitucional. Apresentei o seguinte raciocínio: 1) toda despesa pública deve ser autorizada pelo Parlamento (CF/88, art. 167, inciso I, II, V, VI); 2) enquanto não for modificada a Lei 4.320/64 pelo quorum necessário para aprovação da lei complementar, o exercício financeiro vigora de 01/01 a 31/12, prazo de vigência da Lei Orçamentária. Por isso, regra geral, os contratos administrativos devem vigorar de 01/01 a 31/12.

A primeira afirmação problemática que fiz não se refere propriamente à duração dos contratos administrativos. Disse na coluna anterior que, em relação à regra constitucional de que toda despesa pública seja previamente autorizada pelo Poder Legislativo, há apenas uma exceção: por força do §3º do art. 167 são possíveis “créditos extraordinários”, apenas admissíveis para atender despesas “imprevisíveis e urgentes”, como as decorrentes de guerra, comoção interna e calamidade pública”. Nesse caso, a abertura do crédito deve observar o art. 62, ou seja, o procedimento estabelecido para as “medidas provisórias”. Consequentemente, em relação aos créditos extraordinários a autorização do Parlamento não é dispensada, mas é posterior. O Chefe de Executivo deve, ao abri-los, submetê-los “de imediato” ao Congresso Nacional (“caput” do art. 62), e este deve autorizá-los no prazo de 60 dias (art. 62, §3º), podendo esse prazo ser prorrogado por igual período (art. 62, §7º).

Afirmei na coluna anterior que o constituinte impôs uma interpretação analógica para a compreensão das hipóteses de admissibilidade de abertura dos créditos extraordinários, “imprevisibilidade e urgência”: exigiu que esses conceitos vagos sejam interpretados de acordo com os três casos enumerados, “guerra, comoção interna e calamidade pública”. Do texto do §3º do art. 167 da CF/88 extraem-se duas consequências. Primeiro: nesses três casos não há dúvida que é possível a abertura de créditos extraordinários. Segundo: é possível a abertura em outras hipóteses, desde que semelhantes às de “guerra, comoção interna e calamidade pública”.

Não é correta a afirmação de que essa é a única exceção. Na verdade, essa é a única exceção extraída das “regras constitucionais”. Há, porém, outra exceção, extraída dos “princípios constitucionais”. Entendo que a tutela estatal do “mínimo existencial” não é discricionária, mas vinculada (cf. meu “Teoria jurídica da liberdade”, p. 152-154). A Constituição impõe ao Estado atuar em prol do mínimo existencial independentemente da vontade dos agentes estatais. Dou um exemplo: o asseguramento de uma casa aos hipossuficientes depende da decisão da maioria parlamentar, com a aprovação de uma lei que, por exemplo, efetive uma política habitacional; o asseguramento de um “teto”, porém, como uma vaga em um albergue, independe da decisão da maioria parlamentar. A Constituição, ao exigir o respeito à dignidade, assegura diretamente o direito a um teto, independentemente da edição de uma lei ordinária.

As despesas necessárias para realização do mínimo existencial são autorizadas, implicitamente, pela Constituição (cf. meu “Teoria jurídica da liberdade”, p. 206). Pela interpretação analógica, essas despesas não estão abrangidas no §3º do art. 167 da CF, pois não são propriamente equivalentes à “guerra”, “comoção interna” e “calamidade pública”. Por isso, a autorização não decorre da regra constitucional. Não se trata de uma decisão estabelecida pelo Constituinte e, por isso, não é assegurada pelo princípio formal que dá primazia às ponderações do constituinte originário. Trata-se de uma decisão extraída da ponderação dos princípios constitucionais.

Em relação às despesas referentes ao mínimo existencial, é possível diferenciar: há despesas que são imprevisíveis e há despesas que são previsíveis. Em relação às primeiras, não é possível especificá-las na lei orçamentária. Devem os Poderes Executivo e Legislativo estabelecer uma dotação orçamentária para acobertar as despesas contingenciais. É possível, contudo, que a dotação contingencial estabelecida se torne insuficiente. Nesse caso, por força da ponderação de princípios constitucionais, a despesa necessária para a realização do mínimo existencial configurará despesa “imprevisível e urgente” para os fins da regra estabelecida no §3º do art. 167 da CF/88. Se a dotação para despesas contingentes sequer for prevista, os Poderes públicos incidirão numa omissão inconstitucional. Da mesma forma, também incidirão numa omissão se não assegurarem a realização das despesas necessárias para realização do mínimo vital que forem previsíveis. Nesses dois casos de desídia governamental, a abertura de crédito extraordinário também está autorizada constitucionalmente, em decorrência da ponderação de princípios. Por óbvio, a desídia governamental não deve acarretar o sacrifício do mínimo vital.

Em suma, a realização do mínimo vital autoriza a abertura de créditos extraordinários, não com fundamento na regra do §3º do art. 167 da CF/88, mas com fundamento na ponderação de princípios. Essa retificação em relação às afirmações da coluna anterior não diz respeito, propriamente, à prorrogação dos contratos, pois, nos termos ali afirmados, os contratos decorrentes dos créditos extraordinários terão a vigência dos respectivos créditos e estes, regra geral, têm sua duração restrita ao respectivo exercício financeiro (CF, art. 167, §2º). O crédito extraordinário, aberto durante o exercício, vigora até 31/12. A exceção também está prevista no §2º do art. 167 da CF: se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses do exercício (de setembro a dezembro), são incorporados, no limite de seus saldos, ao orçamento do exercício subsequente (e, pois, durarão até dezembro do ano seguinte). Vale dizer: em relação aos créditos extraordinários (e também especiais) abertos nos últimos quatro meses do ano, os contratos administrativos deles decorrentes podem ultrapassar o respectivo ano, podendo viger até, no máximo, o final do ano seguinte.

Minha segunda assertiva a ser retificada também não diz respeito, propriamente, à duração dos contratos, mas à sua prorrogação. Afirmei na coluna anterior que a lei permite a prorrogação dos contratos de serviços a serem executados de forma contínua por 48 meses. Aqui me equivoquei com os números. Na verdade, a Lei 8.666/93 prevê, no inciso IV do art. 57, a prorrogação dos contratos de aluguel de equipamentos e utilização de programas de informática por 48 meses (= 4 anos). Em relação aos serviços contínuos, a prorrogação pode dar-se, regra geral, nos termos do inciso II do art. 57, por até 60 meses (= 5 anos). Apenas em relação aos últimos, a Lei, no §4º do art. 57, prevê a possibilidade de prorrogação por mais 12 meses (60 + 12 = 72 meses = 6 anos).

As duas regras, tanto a do inciso II como a do inciso IV (e também a do §4º), conforme expliquei, não configuram exceção ao caput do art. 57. O contrato é, insisto, restrito à vigência do respectivo crédito orçamentário, mas pode ser prorrogado, respeitando-se também, em cada prorrogação, a vigência do respectivo crédito orçamentário. Assim, por exemplo, se o contrato for celebrado em 01/10, vigorará até 31/12, podendo ser prorrogado, de 01/01 a 31/12 do ano seguinte e, depois, de 01/01 a 31/12 do ano subsequente, respeitado o limite de 48 meses, no caso de aluguel de equipamentos e utilização de programas de informática, e 60 meses (excepcionalmente, 72 meses), no caso de serviços contínuos.

Já que voltei a falar da prorrogação, vou aprofundar o exame. O primeiro ponto a ser enfrentado é: qual a diferença dogmática de se autorizar a prorrogação por 60 meses no inciso II do art. 57 e por mais 12 meses no §4º, e não, diretamente, por 72 meses? Perceba-se: o Legislador poderia ter autorizado, diretamente, a prorrogação por 72 meses, mas não o fez; autorizou por 60, e ressalvou a possibilidade de prorrogar por mais 12. Essa opção gera consequências. Vamos a elas.

O Legislador, no inciso II do art. 57, tomou uma decisão: autorizou a prorrogação dos contratos de serviços contínuos por 60 meses; a contrario sensu, não autorizou a prorrogação por prazo superior a 60 meses; vale dizer, proibiu-a. No §4º do art. 57 afastou a proibição, se preenchidos dois pressupostos: 1) configurar-se uma situação excepcional, devidamente justificada; 2) haver autorização expressa da autoridade superior. Não basta a “vontade” da autoridade superior: há que se configurar uma “situação excepcional”. O afastamento da proibição de prorrogação além dos 60 meses exige um acentuado “ônus argumentativo”: deverá a Administração demonstrar, na motivação do ato, que se caracteriza uma situação “excepcional”, justificadora da prorrogação.

Qual a natureza jurídica da prorrogação do contrato administrativo? É mister perceber que a prorrogação diz respeito ao tema da “contratação sem licitação”. De duas, uma: há casos em que o Direito exige a prorrogação — e, pois, não permite a realização de nova licitação — e ela tem a natureza jurídica de uma “inexigibilidade” de licitação; há casos em que o Direito faculta a prorrogação — e, pois permite a realização de nova licitação — e ela tem a natureza jurídica de “dispensa” de licitação.

Seguindo a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello (“Curso de Direito Administrativo”, Cap. IX-§§18 a 21) a licitação é “inexigível” quando não estiverem presentes os “pressupostos da licitação”: a) se faltar o “pressuposto lógico”, ela é “impossível”, quando, por exemplo, não existir mais de um possível licitante; b) se faltar o “pressuposto fático”, ela é “inviável”, quando, por exemplo, não existir mais de um interessado; c) se faltar o “pressuposto jurídico”, ela é “proibida”, quando valores jurídicos mais pesados do que os valores concretizados pela licitação seriam sacrificados com a realização do certame. Nessas três hipóteses, a licitação é inexigível, mesmo na falta de previsão legal. A CF/88, no art. 37, XXI, não exige a realização de licitação quando faltar um dos pressupostos para licitar. Se o Legislador “autoriza” não licitar quando falta um dos pressupostos, na verdade ele, propriamente, não “autoriza”, mas apenas explicita o descabimento que está implícito no Direito: a licitação não deve ser realizada porque impossível, inviável ou proibida, ou seja, porque inexigível (cf. meu “Estudos de Direito Administrativo Neoconstitucional”, Cap. 10).

Dito isso, indago: é possível uma prorrogação de contrato administrativo sem autorização legislativa? Sim, quando a licitação for inexigível.

E a dispensa de licitação? A “teoria da ponderação” permite compreendê-la adequadamente. A realização da licitação concretiza certos valores jurídicos (princípio da igualdade; princípio republicano, com a possibilidade de máximo acesso dos interessados às contratações estatais; princípio da indisponibilidade, com a busca da melhor proposta; outros valores por meio de regras que beneficiam certos licitantes, como a proteção à pequena e microempresa, à empresa brasileira). Chamemos todos esses valores de “P1”.

A realização da licitação contraria certos valores jurídicos. Ela é realizada para celebração de um contrato administrativo que, por definição, deve ser necessário para satisfação do interesse público. Quanto mais demorar para celebrar o contrato, mais demorará para realizar o interesse público. Essa demora pode contrariar valores jurídicos importantes (proteção da saúde, integridade física, segurança). Ademais, a licitação exige publicidade e esta pode contrariar valores jurídicos importantes (v.g., segurança nacional). Chamamos todos esses valores de “P2”.

Conforme defendi em outra oportunidade (“Estudos de Direito Administrativo Neoconstitucional”, Cap. 10), o conflito entre “P1” — valores concretizados pela licitação — e “P2” — valores contrariados pela licitação, pode apresentar, no plano abstrato, três resultados:

a) P1 > P2: a licitação é exigível, se for possível e viável;

b) P2 > P1: a licitação é proibida e, pois, inexigível.

c) P1  P2: é possível dispensar a licitação.

A dispensa da licitação diz respeito à terceira hipótese. Regra geral, quando, no plano abstrato, ambos os princípios tiverem pesos equivalentes, o Poder Público deve realizá-la. O constituinte estabeleceu, no art. 37, XXI, em relação a esses casos, uma “reserva legal”: a licitação poderá não ser realizada caso o Legislador expressamente autorize. A dispensa de licitação dá-se quando “P1” e “P2” tiverem pesos equivalentes e exige expressa autorização legislativa.

Muitos juristas, por mais espantoso que isso seja, ainda estão aprisionados aos postulados do “legalismo”. Nessa fase, considerava-se que o Poder Legislativo possuía verdadeira “liberdade” de atuação. A vontade legislativa — na concepção de Rousseau — era infalível, soberana, ilimitada. Naturalmente, segundo essa orientação, caberia ao Legislador, sempre que bem entendesse, autorizar a não realização de licitação. Na fase atual do Direito — no “neoconstitucionalismo” —, esse entendimento é absolutamente descabido. A autorização legislativa não pode ser “arbitrária”. Não é dado ao Legislador afastar o dever de licitar quando bem entender, sem qualquer fundamento racional. Se o fizer, a autorização legislativa será inconstitucional.

A teoria da ponderação permite, de modo bastante claro, explicar quando isso ocorre. Sempre que, no plano abstrato, “P1” for mais pesado que “P2” (P1 > P2), a licitação, se não for impossível ou inviável, é constitucionalmente necessária: a autorização legislativa, se existir, será inconstitucional. Sempre que, no plano abstrato, “P2” for mais pesado que “P1” (P1 > P2), a licitação é proibida: a autorização legislativa, se existir, é apenas didática, pois explicita o que já está implícito no Direito. Ainda que o Legislador denomine sua suposta “autorização” de dispensa, tratar-se-á de inexigibilidade. Sempre que “P1” tiver, no plano abstrato, peso equivalente a “P2” (P1  P2), aí sim, é possível a dispensa, desde que o Legislador a preveja expressamente. Só aí se abre uma competência discricionária a ele: pode prever e possibilitar a dispensa. Caso não a preveja, a licitação será devida, desde que presentes os pressupostos lógico e fático.

Tanto na hipótese do inciso II como na hipótese do inciso IV do art. 57 da Lei 8.666/93 é praticamente impossível que o Direito exija prorrogar o contrato por, respectivamente, 45 e 60 meses (ou, nos termos do §4º, por 72 meses). Nesses casos, no plano abstrato, “P1” e “P2” têm pesos equivalentes e o Legislador autorizou não realizar o certame. A prorrogação aí tem indiscutível natureza jurídica de “dispensa de licitação”.

Deve-se lembrar que o peso dos princípios no plano abstrato é sempre prima facie. Deve a Administração confirmar se, no plano concreto, os pesos se mantêm. Assim, se no plano abstrato “P1” for equivalente a “P2”, mas no plano concreto “P1” for mais pesado que “P2”, a dispensa, no caso concreto, é inválida. A superioridade ou equivalência dos pesos deve sempre ser confirmada no caso concreto.

Ainda em relação às prorrogações dos incisos II e IV do art. 57, faço duas observações. Primeira: suponha-se um mesmo contrato que compreenda vários objetos, um deles subsumido no inciso II e outro subsumido no inciso IV; vale dizer, compreenda o aluguel de equipamentos e/ou a utilização de programas de informática e também a prestação de um ou mais serviços contínuos. Aplica-se a ele a possibilidade de prorrogação excepcional do art. 57, §4º? A pergunta é pertinente, porque essa possibilidade aplica-se apenas ao inciso IV e não ao inciso II. Na minha opinião, é evidente que sim. Sendo um contrato com dois ou mais objetos, um subsumido ao inciso II e outro ao IV, aplica-se, a ele, a possibilidade do §4º (foi o que defendi em RBINF 10/220/221).

Segunda: uma vez efetuada uma prorrogação, após os 60 meses, por prazo inferior a 12 meses, é possível outra, subsequente? Se sim, são possíveis prorrogações sucessivas, com prazos diferentes? Perceba-se, primeiro, que, em relação ao inciso II do art. 57, são possíveis prorrogações sucessivas, mas elas devem ser necessariamente “iguais”. Está expresso no dispositivo: “por iguais e sucessivos períodos”. É bom relembrar que a duração do contrato prorrogado deve ater-se à duração do respectivo crédito orçamentário, de modo que se a Lei autorizou a prorrogação por 60 meses, necessariamente autorizou ao menos cinco prorrogações. Nada impede que se opte por prorrogar o contrato por período inferior a 12 meses — por seis meses, por exemplo —, de modo que novas prorrogações devem ser realizadas pelo mesmo prazo, seis meses, até o limite de 60 meses.

A questão que se apresenta é: prorrogado o contrato por 60 meses, configurada a situação excepcional justificadora de nova prorrogação, nos termos do §4º do art. 57, é possível prorrogar por menos de 12 meses? Claro que sim. Não vejo razão jurídica para obstar a prorrogação excepcional por prazo inferior a 12 meses. Daí outro problema: se prorrogado por menos de 12 meses (por exemplo, seis), é possível nova prorrogação? Ora, se estiverem presentes os pressupostos da prorrogação excepcional — caracterização da situação excepcional e autorização expressa da autoridade superior —, não vejo razão para impedi-la. Ela poder ocorrer, desde que respeitado o prazo máximo de 12 meses. Assim, supondo-se que o contrato, que já havia sido prorrogado por 60 meses, tenha sido prorrogado por mais 6, totalizando 66 meses. Pode haver nova prorrogação, desde que limitada aos 72 meses. E aí a pergunta: ela pode ser por prazo diferente? Evidentemente que sim. Se havia sido prorrogado por 6 meses, não há necessidade de prorrogá-lo por mais 6. Se havia sido prorrogado por 8, poderá sê-lo no máximo por mais 4. Em suma: o §4 do art. 57 da Lei 8.666 admite prorrogações sucessivas e por prazos diferentes (cf. defendi em RBINF 10/221-223).

Para terminar essa coluna, observo que, no inciso V do art. 57 da Lei 8.666/93, o Legislador autorizou a prorrogação por 120 meses (= dez anos) dos contratos celebrados com fundamento nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24 da Lei 8.666/93. A alteração foi dada pela Lei 12.349/10, que converteu a Medida Provisória 495/2010. Considero a regra inconstitucional. Não me parece razoável estabelecer a possibilidade de manutenção de um contrato por 10 anos.

Essa possibilidade de prorrogação se refere a quatro hipóteses de “dispensa”, três delas envolvem os militares, e uma envolve o fomento à pesquisa científica e tecnológica:

a) “quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional” (art. 24, IX);

b) “para compras de material de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante parecer de comissão instituída por decreto” (art. 24, XIX);

c) “para fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pela autoridade máxima do órgão” (art. 24, XXVIII);

d) “para contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 4º 5º e 20 da Lei 10.973/04 (que trata da contratação de Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação – ICTs), observados os princípios gerais de contratação dela constantes” (art. 24, XXXI).

A dispensa do inciso IX do art. 24 configura, na verdade, uma situação de inexigibilidade. É de se supor que “P2” (segurança nacional) tenha mais peso que “P1”, de modo que a licitação é inexigível por falta de pressuposto jurídico. Não me parece, porém, razoável supor que no caso concreto se configure uma situação em que a superioridade de pesos justifique a manutenção do mesmo contrato por 10 anos. Sem embargo, relembro que a prorrogação imposta pelo Direito não necessita de expressa autorização legislativa.

As hipóteses dos incisos XIX e XXVIII do art. 24 configuram autênticos casos de dispensa. Parece-me razoável supor nesses casos que “P1” e “P2” tenham pesos equivalentes. Se a dispensa da licitação para celebração do contrato é válida, admitir sua manutenção por dez anos parece-me evidentemente inconstitucional. Nada impede que, a depender das circunstâncias fáticas e das justificativas explicitadas na motivação, a Administração opte por celebrar novos contratos com a mesma pessoa.

A dispensa prevista no inciso XXXI do art. 24 é, para mim, bastante problemática. Tenho dúvidas se há equivalência de pesos a legitimá-la. Se houver, porém, parece-me óbvio que prorrogar o ajuste por 10 anos ofende o princípio licitatório.

Dito isso, à guisa de conclusão, insisto: não basta o Legislador querer autorizar a não realização do certame ou a prorrogação do contrato. É mister verificar se a decisão legislativa encontra amparo na Constituição. A teoria da ponderação indica quando há e quando não há espaço para o exercício da discricionariedade legislativa.



Por Ricardo Marcondes Martins (SP)

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