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Os créditos suplementares (2011-2016) e as relações Executivo-Legislativo

ANO 2016 NUM 250
Rodrigo Kanayama (PR)
Doutor em Direito do Estado. Professor Adjunto de Direito Financeiro da UFPR, Advogado em Curitiba.


07/09/2016 | 4306 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

A ilegitimidade de créditos suplementares foi argumento para sustentar o pedido e a decisão do impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff. Na sentença, o Senado Federal entendeu, com fundamento no Parecer do Senador Anastasia, que “amparada em metas fiscais constantes unicamente de projetos de lei, a Presidente da República editou, tanto em 2014 como em 2015, decretos de abertura de créditos suplementares que ampliaram despesas autorizadas por lei orçamentária. De acordo com o TCU, esses atos foram editados sem lastro fiscal, ou seja, de modo incompatível com a obtenção da meta em vigor no momento da sua edição” (Sentença, http://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/08/31/veja-a-sentenca-de-impeachment-contra-dilma-rousseff).

A questão de fundo (e que aqui nos interessa) reside na relação Executivo-Legislativo em matéria orçamentária. Os norte-americanos, no século passado, enfrentaram conflitos orçamentários interinstitucionais semelhantes aos nossos atuais, como um cabo de guerra sendo puxado entre o Executivo e o Legislativo (ora o Executivo preponderou, ora o Legislativo).

Em nossa realidade constitucional pós-1988, mantendo-se a tradição histórica, o Poder Executivo prevaleceu nas discussões do orçamento público. Começou a era constitucional de 1988 fortalecido, concentrando grande parte das decisões de alocação de recursos.

Com o passar dos anos, ocorreram deslocamentos que obscureceram sua prevalência. O Legislativo majorou sua competência orçamentária, emendando a Constituição, criando programas e ações governamentais, despesas vinculadas à receita de impostos, e emendas individuais impositivas (Emenda Constitucional 86/2015). Mas o movimento é pendular, alterando-se o equilíbrio Legislativo-Executivo de tempos em tempos (como, por exemplo, o Executivo sendo beneficiado com a inclusão do art. 167, §5º, Constituição).

Há alguns dias, foi publicada a Lei 13.332/2016, que modificou a Lei Orçamentária Anual da União de 2016. Aprovou-se, nela, alteração dos limites para abertura de créditos suplementares em algumas áreas – de 10 para 20%. Tal medida concede maiores poderes orçamentários ao Poder Executivo, retirando, para os remanejamentos, a condição de aprovação pelo Legislativo.

A Mensagem inserta no Projeto de Lei PLN 3/2016 CN, que originou a Lei 13.332/2016, cuja apresentação deu-se pela então Presidente Dilma Rousseff, afirmou, por exemplo, que se propunha “a ampliação para 20% (vinte por cento) da autorização para suplementação e cancelamento das ações constantes da alínea ‘a’ do inciso I do art. 4º da LOA-2016, visto ser aplicável ao maior número de ações do orçamento sem regramento específico. Esse percentual de 20% (vinte por cento) vinha sendo autorizado desde 2013, e garantia maior flexibilidade para os gestores ajustarem à conjuntura do exercício, permitindo melhor gestão dos recursos, principalmente em anos de restrição orçamentária”.

Clara, portanto, a intenção de conceder maiores poderes decisórios e de remanejamento de despesas para o Poder Executivo, a fim de autorizar ajustes sem submetê-los ao Legislativo.

Diante dessa constatação, decidiu-se levantar dados empíricos sobre a relação Executivo-Legislativo em matéria orçamentária, especificamente sobre os créditos suplementares. Suspeita-se que os governos vêm utilizando em demasia do instrumento que, a priori, serviria apenas para suplementação de dotações orçamentárias, porém vem sendo adotado para verdadeiros remanejamentos do orçamento público sem participação do Parlamento.

Foram pesquisados todos os decretos não numerados de abertura de créditos suplementares de 2011 a 2016, com detalhes. São 344 decretos (não numerados) de abertura de créditos suplementares, transferências em razão de extinção de órgãos ou outro motivo, e do art. 167, §5º da Constituição. Também se levantaram, sem adentrar nos detalhes, os decretos de 1995 a 2010 (somente para determinar a quantidade de decretos de créditos suplementares).

Foram compiladas as seguintes informações, as quais serão resumidas (os dados completos, com análise, serão publicados em artigo acadêmico no futuro):

1) Decretos para abertura de créditos suplementares (incluindo as transferências por extinção de órgãos ou outros motivos – autorizadas pela Lei Orçamentária Anual – e as da autorização do art. 167, §5º – acrescentado pela Emenda 85):

a) número total: 344 decretos entre 2011 e 2016.

b) valor total: R$1.018.896.201.952,00

c) trimestre com mais créditos suplementares, em reais: 3º trimestre de 2014 (R$184.503.592.461,00)

d) a maior fonte de receitas é “anulação de dotação” (demonstra que prepondera o remanejamento de recursos).

c) em 2016, não houve decreto de abertura crédito suplementar (há apenas 1 para transferência).

2) No período de 1995 a 2016, o maior número de decretos concentrou-se entre 1995 a 1998 (1995 com 308 decretos, 1996 com 230 decretos). A partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, o número anual de decretos permaneceu relativamente estável (entre 24, em 2015, e 100 em 2010).

A despeito de não se observar excesso na quantidade de decretos nos governos atuais (1 a cada 4 ou 5 dias, em média), é necessário refletir sobre os valores abertos e remanejados pelo Poder Executivo sem participação ou controle prévio do Legislativo. Aumentar o percentual, como o fez a Lei 13.332/2016, reduz a participação do Parlamento nas decisões orçamentárias, com a concessão de poderes legislativos ao Presidente da República. É moção de confiança, que pode ser revista nos próximos orçamentos.

Os dados revelam, ainda: (i) excesso – em Reais – de créditos suplementares em ano eleitoral (3º trimestre de 2014); (ii) que a maior parte dos créditos são, efetivamente, remanejamentos, e; (iii) que, em 2016 o temor imperou, o que fez com que desaparecessem créditos suplementares (ao menos, até o momento).

O cenário de descontrole orçamentário por créditos suplementares repete-se em Estados e Municípios. Por questões políticas – e não poderia ser diferente –, o Legislativo concede liberdades orçamentárias para alterações unilaterais do Executivo. Por isso, é preciso controle externo constante, popular e dos Tribunais de Contas, a fim de aferir eventuais excessos na autorização legislativa e o uso ilegítimo dos créditos suplementares.

*A pesquisa contou com a participação do Prof. Fabrício Tomio (Direito – UFPR), do Núcleo de Direito e Política do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR (DIRPOL – PPGD – UFPR), que sistematizou os dados por mim levantados. Também integro o DIRPOL, cuja função é realizar estudos empíricos sobre Poder Judiciário, relações interinstitucionais e orçamento público.



Por Rodrigo Kanayama (PR)

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