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A Fragilidade Estrutural dos Controles Internos e a Mitigação da Responsabilidade Solidária dos Controladores

ANO 2016 NUM 161
Rodrigo Pironti (PR)
Pós-Doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid. Doutor e Mestre em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Advogado e parecerista.


03/05/2016 | 7761 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

Os sistemas de Controle Interno gozam de liberdade interpretativa e de manifestação, porém, ao controle não é dado alterar a opção discricionária da autoridade e, da mesma forma, não está obrigado a concordar com esta opção, devendo, nestes casos, registrar sua discordância ou sugerir outras condutas igualmente válidas para a eleição discricionária do gestor.

Os responsáveis pelas atividades inerentes aos Sistemas de Controle Interno (Controladores, Auditores, Técnicos de Controle dentre outros) tem responsabilidade solidária estampada na regra do parágrafo primeiro do artigo 74 da Constituição, quando expressamente prevê que serão solidariamente responsáveis os servidores que ao tomarem conhecimento de determinada irregularidade ou ilegalidade, deixarem de comunicá-la ao Tribunal de Contas competente.

Para além da previsão constitucional, com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal — Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 — que se preocupou em estabelecer regras voltadas à responsabilidade na gestão fiscal, principalmente no que tange à legalidade e transparência no trato das finanças públicas, o sistema de controle interno restou fortalecido. E neste compasso, uma das principais inovações trazidas pela Lei Complementar nº 101/2000 foi a obrigatoriedade da assinatura do responsável pelo órgão de controle interno no relatório de gestão fiscal do ente controlado, vinculando-o, assim, ao cumprimento detalhado de todas as normas relativas às finanças públicas.

Em razão de ser obrigatória também a assinatura desses relatórios pelo Gestor (responsável pelo órgão controlado), a Lei de Responsabilidade Fiscal coloca o responsável pelo controle interno como responsável solidário das obrigações e informações prestadas neste documento, em consonância com a previsão constitucional.

Nota-se, portanto, que a factibilidade de responsabilização dos controles internos, por ações ou omissões ao seu dever de controle é ampla e sujeita o responsável ao estabelecimento de uma complexa rede de controle da gestão, sob pena de ser – pessoalmente – responsabilizado por uma irregularidade não corrigida ou detectada.

Ultrapassada esta necessária análise, importa definir dois aspectos fundamentais da responsabilização solidária: a) a primeira delas é pertinente a qual o momento para a ciência aos Tribunais de Contas sobre as eventuais irregularidades detectadas e, ainda, mais relevante, b) perquirir se a responsabilidade dos controladores (ou afins) é sobre toda e qualquer irregularidade detectada, ampla, ilimitada, omissiva ou comissiva.

O primeiro aspecto a ser analisado remonta a discussão de que existe uma distinção importante entre a obrigatoriedade de se comunicar a irregularidade ao Tribunal de Contas e a possibilidade de se formar juízo de valor ou interpretativo diverso da Corte de Contas, sem que isso represente, imediatamente, qualquer possibilidade de responsabilização solidária.

Relevante ainda atestar que o texto constitucional não faz nenhuma menção sobre o termo “a quo” para determinação do momento em que deve ser realizada tal comunicação. É dizer, se não houver norma infraconstitucional que regulamente esse momento, ausente estaria o responsável pelo controle de qualquer fixação de prazo neste sentido.

Assim, em razão da possibilidade de se formarem juízos diversos sobre o mesmo fato, bem assim, do controle interno ser aquele responsável constitucionalmente para realizar o primeiro embate a eventual irregularidade detectada, para saná-la ou orientá-la, não parece lógico que a comunicação seja realizada de imediato pelo responsável pelo controle, justamente porque se assim agisse, provavelmente, ainda não teria formado seu convencimento sobre o fato, o que o impediria de exercer juízo razoável sobre a possibilidade de corrigi-lo ou orienta-lo e, ainda, porque se assim fosse, os Tribunais de Contas no Brasil se tornariam verdadeiros “poços de lamentações” de circunstâncias que, na maioria das vezes, não imporiam análise do Controle Externo.

Neste sentido, em respeito à formação do convencimento e ao livre exercício da função preventiva e corretiva do Controle Interno, agregada à sua função constitucional de auxiliar o Controle Externo em sua missão institucional (Art. 74, VI da CF), não parece ser possível outro entendimento que não seja de que o momento da ciência aos Tribunais de Contas deverá ser aquele posterior ao esgotamento das medidas administrativas internas tendentes a sanar a irregularidade ou formar o convencimento do Controle Interno.

Mas o que preocupa em relação à responsabilização não é o momento em que o responsável pelo controle interno deverá informar ao Tribunal sob pena de responsabilidade solidária, mas sim e, principalmente, o gigantesco rol de atribuições de controle, contraposto às (em sua maioria) frágeis estruturas para dar cabo a esse mesmo controle.

A preocupação ganha relevo quando se verifica que as decisões que responsabilizam gestores e controladores solidariamente, normalmente o fazem, em relação ao controlador, por omissão. É dizer, como regra, os controladores internos são responsabilizados pelos Tribunais por sua omissão em face do ato irregular.

Note-se que a responsabilização solidária pode se dar em razão de uma omissão ou de uma ação.

No que toca, porém, à responsabilização solidária por omissão, parece haver uma discrepância de tratamento em nosso Direito, justamente porque deve ser aquilatado e comprovado, no caso concreto, que o responsável pelo controle interno se omitiu em face da irregularidade.

Em nosso sentir, os controladores internos não podem ser equiparados a “seguradores universais”, a uma, porque as ações de controle não tem o condão de impedir a prática do ato, mas de orientar o gestor sobre sua irregularidade e, a duas, porque as estruturas de Controle Interno em quase a totalidade dos Poderes (principalmente nas esferas municipal e estadual) não possuem estrutura física, técnica e de pessoal que permita um controle abrangente e realmente eficaz.

É dizer, a responsabilização solidária deve guardar um parâmetro razoável de aplicação, sob pena de, com a constante ameaça de punições desproporcionais à estrutura de controle ou seu âmbito de interferência, afastarem do controle aqueles que realmente buscam seu desenvolvimento e profissionalização.

É nesse sentido, que para responsabilização solidária dos responsáveis pelo Controle Interno é necessário que seja demonstrado que aos responsáveis foi dada condição de conhecer do ato irregular e que a sua omissão guarda nexo de causalidade com a ocorrência do dano gerado pelo ato viciado. Caso qualquer uma dessas alternativas não esteja presente, impossível será a responsabilização do controlador.

Os atos de controle são – como regra – adstritos à noção de atos omissivos impróprios, uma vez que ao controle não corresponde o dever legal de praticar uma ação relacionada diretamente ao ato viciado, pois esta ação é vinculada à atividade fim, mas a ocorrência do dano pode caracterizar a infração ao dever de diligência (controle) capaz de evitar o dano. Diante disto, qual o parâmetro para se medir a extensão do dever de diligência do controle? Haveria em todos os casos, condições do controlador realizar controle das inúmeras hipóteses de danos decorrentes de outros tantos possíveis atos irregulares?

Obviamente que o conceito de omissão não pode, nem deve, conduzir o controle a um “super-órgão” em relação à sua responsabilização, pois o contraponto em razão de sua estrutura física, técnica e de pessoal, deve ser proporcional; não podendo o órgão de Controle Externo, objetivar punir os responsáveis pelo controle interno, nas hipóteses em que não havia (ou não foi dada) condição de uma efetiva fiscalização e sem demonstrar o nexo de causalidade de que a infração ao dever de cuidado do controlador seria capaz de evitar o prejuízo.

Veja que o binômio dever e possibilidade deve fazer parte da análise da responsabilização solidária do responsável pelo controle e a omissão ou atuação deficiente da Administração Pública haverá de ser perquirida em função de um padrão de conduta exigível, exaltado pelas condições fáticas e que conduzirá à causa do dano. É dizer, seriam punidos, portanto, em face da existência de uma irregularidade, que fazia parte do escopo do controle interno e que por infração ao dever de cuidado, não foram orientados ou regularizados.

Dessa forma, na responsabilidade por omissão, somente restaria comprovada a responsabilização do Controlador, desde que ficasse caracterizada que a infração ao dever de cuidado do Controle contribuiu para a ocorrência do dano (e em que medida isso ocorreu), havendo a necessidade de se perquirir sobre a presença do binômio dever e possibilidade, ou seja, os responsáveis pelo Controle responderão se: incumbia-lhes um dever de agir aliado à possibilidade de evitar a consumação do prejuízo.

Não há como se omitir do que não se conhece. Como consequência não há como se responsabilizar alguém a quem não foi oportunizado conhecer. Frise-se que o fato de não se conhecer o ato nestas hipóteses não está relacionado à desídia do responsável pelo controle, mas sim, a sua impossibilidade fática, lógica e jurídica de conhecê-lo, seja em razão de sua estrutura funcional dependente, de sua pouca ou quase nenhuma estrutura técnica e de pessoal, ou das condições para o exercício do controle, dentre outras hipóteses caracterizadoras da impossibilidade de se ter tido acesso em tempo hábil para orientar ou evitar o ato irregular.

Neste sentido, o que é necessário – inclusive para que possa haver responsabilização solidária coerente e justa – é que diante da realidade de cada controle e de cada Ente controlado, deve se estabelecer parâmetros razoáveis de fiscalização, pautados nas orientações normativas próprias dos entes/entidades (sem descurar das exigências constitucionais) e das balizas determinadas pelos Tribunais de Contas competentes. Assim, a responsabilização estaria circunscrita a este espectro de análise, pois seria possível se determinar objetivamente o escopo de controle, permitindo ao controlador a elaboração de uma metodologia eficaz de controle interno.



Por Rodrigo Pironti (PR)

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