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Aspectos Jurídicos da Nomeação de Ministros de Estado no Direito Brasileiro

ANO 2018 NUM 392
Vladimir da Rocha França (RN)
Advogado. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Associado II do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.


17/04/2018 | 10877 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

No sistema presidencialista determinado ao Estado brasileiro pela Constituição Federal, o Poder Executivo da União é exercido pelo Presidente da República, autoridade que concentra as competências constitucionais de chefe de Estado e de chefe de Governo.  Dentre as últimas, destaca-se aqui a direção superior da Administração Pública.

O Presidente da República, como autoridade máxima da Administração Pública, exerce suas competências administrativas com o auxílio dos Ministros de Estado.  O Chefe do Poder Executivo tem a prerrogativa de nomeá-los e exonerá-los conforme seu juízo de oportunidade.

O art. 87, caput, Constituição Federal estabelece os seguintes requisitos para a pessoa possa ser validamente nomeada para o cargo de Ministro de Estado: (i) ser brasileiro, sendo portanto irrelevante se se trata de nato ou naturalizado; (ii) ser maior de vinte e um anos; e, (iii) estar no exercício dos direitos políticos.

Excetua-se o Advogado-Geral da União, de quem se exige: (i) ser brasileiro, seja nato, seja naturalizado; (ii) ser maior de trinta e cinco anos; (iii) estar no exercício de seus direitos políticos; (iv) notável saber jurídico; e, (v) reputação ilibada.

A nomeação e a exoneração em apreço são atos jurídicos administrativos que dispensam exposição de seus pressupostos de fato e de direito.  Há discricionariedade administrativa em ambos quanto ao momento de expedição, quanto aos motivos e quanto ao objeto.  Afinal, o compete apenas ao Presidente da República quem nomeará (ou exonerará), assim como quando determinará o provimento do cargo público em apreço, observados naturalmente os limites temporais de seu mandato e os requisitos descritos no parágrafo anterior.

Nesse diapasão, o Poder Judiciário não tem legitimidade constitucional para impedir a nomeação de quem preencha os requisitos do art. 87, caput, da Constituição Federal para ocupar o cargo de Ministro de Estado, sob o argumento de que o nomeado não atende outros requisitos.  Ainda que fundado nos princípios da moralidade e da eficiência administrativa.

Não se deve perder de vista que o reconhecimento constitucional da discricionariedade administrativa do Presidente da República na nomeação e exoneração de Ministros de Estado se justifica para viabilizar a concretização das políticas públicas que foram objeto do debate eleitoral ou que foram propostas durante a vigência do mandato presidencial.

Convém ainda acrescentar que o Presidente da República demanda o apoio do Congresso Nacional para governar.  O que deveria ser repensado é justamente a norma constitucional que permite que o parlamentar, uma vez nomeado para ser Ministro de Estado, possa se licenciar do cargo sem a perda definitiva de seu mandato parlamentar.  De todo modo, a formação de um Governo pressupõe uma aliança político-partidária que deve ser refletida no Ministério.

Pode-se perfeitamente discutir a possibilidade de uma reforma constitucional que inclua os requisitos do saber na área do Ministério e da reputação ilibada, como já existe para o Advogado-Geral da União.  Mas, na ordem constitucional vigente, eles não são exigidos dos demais Ministros de Estado.

É de fato polêmico que o Presidente da República nomeie para ser Ministro de Estado alguém que não domine os assuntos da pasta que assumiu ou que responda processos sancionadores pela prática de atos ilícitos que sejam pertinentes ao Ministério que chefiará.  E, com efeito, não deixa de ser um ônus moral e eleitoral para o governante designar e manter um Ministro de Estado nessas circunstâncias.

Todavia, os princípios da moralidade e da eficiência administrativas não podem servir de base para que o Poder Judiciário determine quem pode ou não ser Ministro de Estado, haja vista a Constituição Federal já estabelecer exaustivamente os requisitos que o agente deve preencher para sua nomeação válida.  O princípio jurídico não deve afastar a incidência e aplicabilidade de uma regra constitucional.

Se o saber na área de conhecimento pertinente ao Ministério e a reputação ilibada fossem efetivamente exigidos dos Ministros de Estado, o art. 87, caput, da Constituição Federal teria outra redação.  Reitere-se que quando se quis a presença deles, a Lei Maior a determinou expressamente.

Pensar o contrário, com a devida vênia, é esvaziar por completo o princípio da separação dos poderes e o princípio democrático. 

Anote-se que Poder Executivo foi confiado ao Presidente da República, escolhido pelo voto livre, direto, secreto, universal e periódico dos cidadãos.  O juízo moral e o juízo de prognóstico quanto às escolhas presidenciais devem ser feitos pelo Congresso Nacional no processo legislativo e pelo eleitor no processo eleitoral. 

Isso não significa dizer que a nomeação para Ministro de Estado não possa ser declarado judicialmente nulo em razão de invalidade insanável, como na hipótese de desvio de poder, por exemplo.  Como já consagrado na doutrina e jurisprudência brasileiras, os aspectos vinculados do ato jurídico administrativo devem ser apreciados pelo Poder Judiciário quando há lesão ou ameaça a direito e o administrado exerce seu direito de ação.

E, naturalmente, se a decisão judicial condenatória tem, dentre seus efeitos jurídicos, impedir o condenado de assumir ou permanecer em cargo público, é evidente que o Poder Judiciário também tem competência jurisdicional para frustrar a sua nomeação para o Ministério de Estado em outro processo.  Mas nesse caso, é a lei, e não o juízo moral ou de prognóstico do magistrado que impõe tal medida.



Por Vladimir da Rocha França (RN)

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